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Cálculo Diferencial e Integral II

Cálculo de integrais em limitados de via integrais iterados usando coordenadas cartesianas

Assumindo que uma função é integrável num intervalo limitado de vamos ver ver que é fácil perceber porquê e como reduzimos o cálculo a sucessivas integrações de funções de uma variável em intervalos limitados de . Como protótipo de uma tal situação consideremos uma função integrável no sentido que temos vindo a estudar. Gostaríamos de saber se é legítimo proceder ao cálculo via (a resposta, algo surpreendente, vai ser uma versão rigorosa de "nem sempre, mas quase sempre") no que constitui o análogo infinitesimal de, por exemplo, somar os elementos de uma matriz primeiro por linhas e depois somar a coluna dos totais parciais, i.e.,

Além disso verificaremos que há várias estratégias de como organizar o cálculo, mais ou menos convenientes conforme a geometria do problema.

Como integrar: o teorema de Fubini

O resultado básico sobre cálculo de integrais baseia-se em comparar cuidadosamente somas superiores e inferiores da função com somas superiores e inferiores de outra função que corresponde de alguma forma a já ter-se integrado em relação a algumas variáveis.

Suponhamos que é uma função integrável em um intervalo limitado e fechado de . Numa primeira leitura suponha que e que e são intervalos de mas em geral serão um intervalo de e um intervalo de para um certo . Dado um qualquer , existe uma partição tal que

A partição em pode ser descrita via em que , . Convencionamos que os subintervalos definidos por designam-se em que os são os subintervalos de determinados por e os são os subintervalos de determinados por . Convencionamos também escrever os vectores de na forma com , .

A comparação de somas superiores consiste em em que a função no último membro é definida por .

De forma análoga para as somas inferiores

As desigualdades que estabelecemos garantem então que também donde concluímos que é integrável em . Além disso como podemos concluir que

Com uma ligeira alteração no argumento precedente também se estabelece que e obviamente pode-se trocar o papel desempenhado por e o que resumidamente estabelece

Teorema (de Fubini, cálculo de integrais via integrais iterados.) Seja uma função limitada integrável no produto cartesiano de intervalos limitados e fechados de e de . Então

Exemplo. Consideremos definida por e o integral . Admitindo que sabemos que esta função é integrável (dentro de pouco tempo usaremos o facto da função ser um polinómio de duas variáveis para dizer que é uma função contínua num intervalo limitado e fechado e consequentemente integrável)

[Uma observação sobre notação: aparecer no primeiro membro da linha anterior não tem qualquer significado sobre a ordem pela qual se procede ao cálculo dos integrais iterados; é simplesmente uma maneira de escrever "fim de integral duplo sendo as variáveis de integração e ", algo que muitas vezes nos será conveniente.]

Exemplo. O exemplo anterior pode ter tornado o leitor algo céptico de que seja de facto preciso considerar integrais superiores e inferiores no enunciado do teorema nesta secção. Vamos ver que de facto tal em geral não é evitável. Seja definida por É fácil verificar que esta função é integrável em (faça-o!). Neste caso o integral não existe mas , e o cálculo pode ser completado de acordo com o teorema fornecendo o valor para o integral .

Exemplo. Uma outra questão que convém esclarecer para testar os limites do resultado que estabelecemos é saber se da existência de integrais iterados podemos estabelecer a existência do integral original. Seja definida por Verifique que mas não existe.

Exemplo. Voltemos a considerar a função definida por mas desta vez consideremos o integral . em que . De acordo com as nossas definições isto corresponde a considerar em que

integral num triângulo
Integrar numa região que não é um intervalo faz aparecer limites de integração não constantes.

Obtemos então, admitindo integrabilidade,

De notar que os integrais iterados usados para efectuar o cálculo são um caso particular de em que é a projecção de no eixo dos , e corresponde aos valores de determinados pelo "corte" de para o valor de indicado, isto é, e

Fim de exemplo.

Domínios de integração mais complexos que os considerados até agora facilmente podem levar a um volume de cálculos considerável e a considerarmos qual a melhor ordem de integração para proceder aos cálculos.

Exemplo. Seja e definida por . Admitindo a integrabilidade de em vamos calcular .

O conjunto é limitado por dois arcos de ramos de hipérbole e dois segmentos de recta como sugerido na figura.

O conjunto S
O conjunto destacando a sua subdivisão para cálculo de como uma soma de integrais iterados em que se integra primeiro em ordem a . Note a resolução em ordem a das expressões analíticas das linhas que limitam .

Intersectando com rectas horizontais ou com rectas verticais verificamos, tanto num caso como outro que somos conduzidos à soma de três integrais iterados. Por exemplo, considerando que integramos primeiro em ordem a somos conduzidos a considerar

[Complete os cálculos. Resolva considerando a outra possível ordem de integração. Note que voltará a encontrar este problema mais à frente quando dispuser de mudanças de coordenadas, o que poupará consideravelmente a extensão dos cálculos a efectuar.]

Fim de exemplo.

A determinação de limites de integração ao integrar em põe algumas questões que em dimensão não estão presentes. Começamos por um análogo tridimensional do exemplo do conjunto .

Exemplo. Considere e definida por admitindo que é integrável em . Vamos considerar os dois pontos de vista naturais para determinar os limites de integração de integrais iterados. Supondo que optamos por ordem de integração correspondente a considerar sucessivamente integrações em ordem a , e podemos começar por considerar ou e depois exprimir os integrais duplos como integrais iterados. [Embora o resultado final seja o mesmo o raciocínio será claramente diferente para cada um dos processos não havendo a priori um método mais aconselhável para atacar o problema.] Aqui usámos notações para projecções e cortes na linha do que se já tinha feito atrás em dimensão 2. Em cada uma das linhas seguintes a primeira igualdade corresponde ao que poderia ser a definição formal destes conjuntos e a segunda identifica estes conjuntos neste exemplo

Determinando limites de integração via projecções bidimensionais e cortes unidimensionais
Uma das possíveis técnicas para determinar limites de integração de integrais triplos no caso particular de : projecções bidimensionais e cortes unidimensionais.
Determinando limites de integração via projecções unidimensionais e cortes bidimensionais
A outra possibilidade para determinar limites de integração de integrais triplos no caso particular de : projecções unidimensionais e cortes bidimensionais.
Uma animação feita com Sage ilustrando a mesma ideia através de um vídeo OGG, WEBM ou MP4. Veja o código.

O detalhe dos cálculo da determinação dos limites de integração é, conforme o método aplicado,

[Complete os cálculos.]

Fim de exemplo.

Algo que deverá notar como comum em todos os exemplos anteriores é a necessidade de caracterizar os pontos de que possuem, arbitrariamente perto de si, tanto pontos do conjunto onde estamos a integrar como do seu complemento. Aproveitamos para tornar pecisa esta ideia e introduzir alguma terminologia relacionada.

Definição (ponto fronteiro e fronteira). Dado dizemos que é um ponto fronteiro de ou pertence à fronteira de , abreviadamente , se qualquer que seja , existirem em tanto pontos de como de .

Volumes -dimensionais

Uma das aplicações básicas da integração é o cálculo do volume de conjuntos -dimensionais: comprimento em , áreas em , volume em , etc. Deve ser claro da definição de integral que, se for um limitado tal que existe, então o valor deste integral é com certeza aquilo que nós queremos designar como volume de . Note que em geral não é legítimo esperar que um conjunto limitado tenha um volume neste sentido como mostra o muito conhecido exemplo .

Note que em cursos anteriores não se pôs a questão de calcular o comprimento de conjuntos de via integrais pois aí integrávamos em intervalos limitados e nesse caso integrar a função conduz trivialmente ao comprimento do intervalo.

No caso a sua experiência anterior de calcular áreas consistia quase exclusivamente no cálculo da área de conjuntos da forma em que e são integráveis em e tais que para todo o . Admitindo que a função é integrável em tais conjuntos, algo que demonstraremos com facilidade posteriormente, o teorema de Fubini mostra que obtendo-se o processo de cálculo de áreas conhecido.

Note que as propriedades já conhecidas do integral dão-lhe propriedades que espera com certeza que a noção de volume tenha. Nomeadamente, sendo um limitado tal que o volume existe, então:

  • O volume é sempre maior ou igual a . Tal decorre trivialmente da definição de integral.
  • Também decorre da definição de integral que se contém um intervalo da forma com para cada com então o volume de é minorado por .
  • O volume é invariante por translacção, isto é, se e , então também podemos definir o volume de e este é igual ao volume de . Uma forma de obter este resultado neste momento envolve usar o teorema de Fubini e a invariância por translacção do integral em intervalos limitados de .

A última propriedade que citámos e outras, como a invariância por rotação da noção de volume, estabelecer-se-ão mais facilmente quando dispusermos da fórmula de mudança de variáveis na integração.

Fazemos também notar que temos uma propriedade de aditivade de volumes que decorre da aditividade do integral relativamente à região de integração. Mais precisamente, se pudermos definir o volume de um número finito de subconjuntos de disjuntos dois a dois, então também podemos definir o volume da união de tais conjuntos e o respectivo volume obtém-se por adição.

Exemplo. Considere a região de definida pela intersecção dos cilindros definidos por e .

Animação produzida com Sage via three.js da intersecção dos cilindros (superfície amarela) e (superfície azul). O círculo laranja é a projecção da região no plano .

Para calcular o volume desta região usando integração pela ordem podemos considerar

Exercício. Retome o exemplo anterior determinando os integrais necessários para calcular o volume usando diferentes ordens de integração.

Exemplo (Volume de um tetraedro -dimensional). Este último exemplo destina-se em parte a tentar convencer o leitor de que também é possível realizar cálculos em dimensão qualquer, embora sem o auxílio dos esboços a que frequentemente recorremos em dimensão ou .

Sendo e , definimos como sendo o volume -dimensional de Vamos provar que usando indução matemática, o teorema de Fubini e uma mudança de variável unidimensional.

Para temos , verificando o resultado para .

Suponhamos que o resultado é válido para dimensão . Em dimensão temos, introduzindo a mudança de variável , usando o teorema de Fubini e a hipótese de indução completando a demonstração por indução. Fim do exemplo.

O integral permite o cálculo de inúmeras outras grandezas em mecânica dos meios contínuos, electromagnetismo e outras áreas de aplicação das ciências e da engenharia. Por exemplo, se designa a massa específica de um sólido então a massa do sólido será

Podemos também integrar funções com valores vectoriais (em ) definindo o integral da forma natural coordenada a coordenada o que conduz a aplicações como o cálculo do centro de massa de um sólido de massa específica via em que . No caso de sólidos homogéneos, isto é, com densidade constante, o centro de massas designa-se por centróide.

Exemplo (Centróide do tetraedro). Calculemos as coordenadas do tetraedro que designámos atrás por , isto é de .

Notando que permutações de , e deixam o conjunto invariante facilmente concluímos que as 3 coordenadas do centróide são iguais. Além disso já calculámos o volume que é igual a .

Resta-nos então calcular

Assim o centróide é o ponto com coordenadas . Fim de exemplo.


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 01/05/2024 17:07:15.