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Cálculo Diferencial e Integral II

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Integrais de linha

A motivação primária para o conceito de integral de linha é o conceito de trabalho num campo de forças. Dada uma função $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$, que daqui para a frente designaremos também por campo vectorial, cujo domínio $A$ é um aberto, e um caminho $r:[a,b]\to A$, o trabalho realizado ao deslocar uma partícula de $r(a)$ para $r(b)$ seria aproximável por \[\sum_{i=0}^k F(r(t_i))\cdot(r(t_{i+1})-r(t_i)) \approx \sum_{i=0}^k F(r(t_i))\cdot r'(t_{i})(t_{i+1}-t_i) \] em que $P=\{t_0=a,t_1,\dots,t_k=b\}\in \mathcal{P}([a,b])$. Tal sugere:

Definição (Integral de linha). Dado um campo vectorial contínuo $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$ com $A$ um aberto e um caminho $r:[a,b]\to A$, $r$ seccionalmente de classe $C^1([a,b])$, definindo uma linha $L=r([a,b])$, define-se o integral de linha de $F$ relativamente ao caminho $r$ como sendo \[\int_L F\cdot dr=\int_a^b F(r(t))\cdot r'(t)\, dt.\]

Integral de linha
A ideia da definição de integral de linha.

Exemplo. Considere o campo vectorial $F:\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\to \mathbb{R}^2$ definido por \[F(x,y)=\left(\frac{x}{x^2+y^2}, \frac{y}{x^2+y^2}\right)\] e o caminho $\alpha(t)=(\cos t, \operatorname{sen}t)$, $t\in [0,2\pi]$, $S^1=\alpha([0,2\pi])$. Temos $F(\alpha(t))=(\cos t, \operatorname{sen}t)$ e $\alpha'(t)=(-\operatorname{sen}t, \cos t)$ donde $F(\alpha(t))\cdot \alpha'(t)=0$ e \[\int_{S^1} F\cdot d\alpha =0.\] Note que o cálculo simplesmente concretiza tratar-se de um campo radial relativamente a $(0,0)$ e portanto, em cada ponto de $S^1$, ortogonal ao respectivo espaço tangente.

A geometria do cálculo de um integral de linha
A geometria do cálculo do integral de linha $\int_{S^1}\frac{x}{x^2+y^2}\,dx +\frac{y}{x^2+y^2}\,dy=0$.

Fim de exemplo.

Convém fazer duas observações sobre notação que vêm a propósito do exemplo anterior:

  1. Quando consideramos caminhos fechados será por vezes conveniente dar ênfase a esse facto usando notação como \[\oint_{S^1} F\cdot d\alpha .\]
  2. Quando, como no caso do exemplo anterior, o integral de linha não depende do caminho usado para percorrer a linha, podemos abandonar a menção expressa do caminho usando notação que “explicita” a coordenadas do campo, como \[\oint_{S^1} P\, dx + Q\, dy \] para o integral de linha de um campo com funções coordenadas $(P,Q)$ ou mesmo  \[\oint_{S^1} \frac{x}{x^2+y^2}\, dx + \frac{y}{x^2+y^2}\, dy. \]

Exemplo. Considere o campo vectorial $G:\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\to \mathbb{R}^2$ definido por \[G(x,y)=\left(\frac{-y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right)\] e o caminho $\alpha$ do exemplo anterior. Neste caso \[\oint_{S^1}G\cdot d\alpha =\int_0^{2\pi}\operatorname{sen}^2 t +\cos^2 t\, dt = 2\pi. \] Geometricamente tal corresponde ao campo vectorial ser tangente à circunferência $x^2+y^2=1$ com uma projecção sobre a recta que é constante (igual a $1$).

A geometria do cálculo de um integral de linha
A geometria do cálculo do integral de linha $\oint_{S^1}\frac{-y}{x^2+y^2}\,dx +\frac{x}{x^2+y^2}\,dy=2\pi$ com a circunferência percorrida uma vez no sentido directo.

Fim de exemplo.

Exercício. Prove que se pode estimar um integral de linha usando um integral em ordem ao comprimento de arco na forma \[\left|\int_L F\cdot dr\right| \leq \int_L \|F\|\, ds.\] Fim de exercício.

Embora um integral de linha dependa não só da linha mas também da forma como esta é parametrizada, a dependência em relação à parametrização limita-se, no caso de caminhos seccionalmente $C^1$ injectivos, ao “sentido” em que a linha é percorrida.

Proposição. Seja $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$ com $A$ um aberto um campo vectorial contínuo e $\alpha:[a,b]\to A$, $\beta:[c,d]\to A$ dois caminhos seccionalmente de classe $C^1$ tais que existe uma função $u:[a,b]\to[c,d]$, seccionalmente de classe $C^1$ e com $u'>0$ sempre que a derivada esteja definida, tal que $u([a,b])=[c,d]$ e $\alpha(t)=\beta(u(t))$ para $t\in[a,b]$. Então \[\int_L F\cdot d\alpha = \int_L F\cdot d\beta. \]

Ideia da demonstração. Basta considerar o caso em que $\alpha, \beta, u\in C^1$ nos seus domínios. Note que com as hipóteses que fizemos $u(a)=c$ e $u(b)=d$. \[\begin{align*}\int_L F\cdot d\alpha= &\int_a^b F(\alpha(t))\cdot \alpha'(t)\, dt \\ = & \int_a^b F(\beta(u(t)))\cdot \beta'(u(t))u'(t)\, dt \\ = &  \int_c^d F(\beta(s))\cdot \beta'(s)\, ds = \int_L F\cdot d\beta\end{align*}\] em que na segunda igualdade usou-se o teorema de derivação da função composta e na terceira integrou-se por substituição. Fim da ideia da demonstração.

Claro que quando percorremos a mesma linha em “sentido contrário” a relação entre os integrais de linha já não é de igualdade mas sim de simetria.

Proposição. Seja $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$ com $A$ um aberto um campo vectorial contínuo e $\alpha:[a,b]\to A$, $\beta:[c,d]\to A$ dois caminhos seccionalmente de classe $C^1$ tais que existe uma função $u:[a,b]\to[c,d]$, seccionalmente de classe $C^1$ e com $u'<0$ sempre que a derivada esteja definida, tal que $u([a,b])=[c,d]$ e $\alpha(t)=\beta(u(t))$ para $t\in[a,b]$. Então \[\int_L F\cdot d\alpha = -\int_L F\cdot d\beta. \]

Ideia da demonstração. Neste caso $u(a)=d$ e $u(b)=c$... Fim da ideia da demonstração.

É possível enunciar análogos dos resultados anteriores para caminhos fechados simples seccionalmente $C^1$ que descrevem a mesma linha no mesmo sentido ou em sentidos opostos e adicionalmente com independência relativamente ao ponto em que iniciamos e fechamos o caminho. Em vez de fazê-lo sugere-se que considere o seguinte

Exercício. Mostre que dados caminhos $\alpha(\lambda)= ( \cos \lambda, \sen \lambda)$, $\lambda\in [0,2\pi]$ e $\beta(t)= ( -\sen t^2, -\cos t^2)$, $t\in [0,\sqrt{2\pi}]$ e um campo contínuo $F:\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}^2$ temos \[\oint_{S^1}F\cdot d\alpha = \oint_{S^1}F\cdot d\beta.\]

Campos conservativos

Uma questão bem mais importante que as invarâncias relativamente a parametrizações de uma mesma linha é a possível invariância de um integral de linha quando se muda a linha mas mantendo os extremos da mesma. O conceito motivador em Mecânica é o de campo conservativo que passamos a precisar.

Definição (Campo conservativo). Um campo vectorial contínuo $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$, com $A$ um aberto conexo, diz-se conservativo se dados quaisquer dois pontos $\boldsymbol{x}_0, \boldsymbol{x}_1\in A$ o integral de linha \[\int_L F\cdot dr\] toma o mesmo valor para qualquer caminho seccionalmente $C^1$ com início em $\boldsymbol{x}_0$ e fim em $\boldsymbol{x}_1$.

Uma observação quase imediata é que uma caracterização equivalente é o integral ao longo de caminhos fechados seccionalmente $C^1$ ser sempre $0$. Para tornar clara esta observação note que dados dois caminhos com o mesmo início e o mesmo fim, invertendo o sentido a um deles e concatenando-os obtemos um caminho fechado e, dado um caminho fechado, podemos reverter este processo para obter dois caminhos com o mesmo início e o mesmo fim.

Outra caracterização equivalente de campo conservativo obtém-se através do conceito de potencial escalar e dos chamados teoremas fundamentais para integrais de linha que generalizam o teorema fundamental do cálculo e a regra de Barrow ao contexto corrente.

Definição (Potencial escalar). Dado um campo vectorial contínuo $F:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^n$, em que $A$ é um conjunto aberto, diz-se que $\varphi:A\to \mathbb{R}$ é um potencial escalar de $F$ se $\varphi$ for diferenciável em $A$ com $\nabla \varphi=F$.

Teorema (fundamental do cálculo para integrais de linha). Seja $A\subset\mathbb{R}^n$ um aberto conexo e $F:A\to\mathbb{R}^n$ um campo conservativo. Então existe $\varphi:A\to\mathbb{R}$ tal que $\nabla \varphi=F$.

Demonstração. Fixemos um ponto $\boldsymbol{x}_0\in A$. Um candidato óbvio a $\varphi$ é o valor do integral de linha (trabalho) \[\int_{L[\boldsymbol{x}_0, \boldsymbol{x}]}F\cdot dr\] em que $L[\boldsymbol{x}_0, \boldsymbol{x}]$ é um qualquer caminho seccionalmente $C^1$ com início em $\boldsymbol{x}_0$ e fim em $\boldsymbol{x}$ (se duvidar que um qualquer ponto de $A$ pode ser atingível por um arco seccionalmente $C^1$, considere este exercício anterior).

Para verificar que $\varphi$ satisfaz os nosso requisitos comecemos por considerar uma derivada parcial de $\varphi$. Temos \[\frac{\partial \varphi}{\partial x_i}(\boldsymbol{x}) =\lim_{t\to 0}\frac{\varphi(\boldsymbol{x}+t\boldsymbol{e}_i) - \varphi(\boldsymbol{x})}{t}. \] Como temos independência do caminho no cálculo do integral de linha usado para definir $\phi$ podemos assumir que o caminho usado no cálculo de $\varphi(\boldsymbol{x}+t\boldsymbol{e}_i)$ é o caminho usado para calcular $\varphi(\boldsymbol{x})$ concatenado com o segmento de recta unindo $\boldsymbol{x}$ a $\boldsymbol{x}+t \boldsymbol{e}_i$. Parametrizando este segmento via $\alpha(\lambda)=\boldsymbol{x}+\lambda t \boldsymbol{e}_i$, com $\lambda\in [0,1]$, obtemos \[\varphi(\boldsymbol{x}+t\boldsymbol{e}_i) - \varphi(\boldsymbol{x})=\int_0^1 F(\boldsymbol{x}+\lambda t \boldsymbol{e}_i)\cdot t \boldsymbol{e}_i \, d\lambda\] donde \[\frac{\partial \varphi}{\partial x_i}(\boldsymbol{x}) =\lim_{t\to 0} \int_0^1 F(\boldsymbol{x}+\lambda t \boldsymbol{e}_i)\cdot  \boldsymbol{e}_i \, d\lambda\] que, pela continuidade de $F$, é igual a $F_i(\boldsymbol{x})$, a $i$-ésima coordenada do campo $F$ calculada em $\boldsymbol{x}$ o que estabelece que $\nabla \varphi=F$.

Notando que $F$ é continua, os cálculos anteriores estabelecem que $\varphi\in C^1(A)$ e é portanto diferenciável. Fim de demonstração.

Teorema (análogo da regra de Barrow para integrais de linha). Seja $\varphi:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}$ com $A$ um aberto conexo e $\varphi\in C^1(A)$. Se $r:[a,b]\to A$ for um caminho seccionalmente de classe $C^1$ com $L=r([a,b])$, então \[ \int_L \nabla \varphi\cdot dr =\varphi(r(b))-\varphi(r(a)).\]

Demonstração. \[ \int_L \nabla \varphi\cdot dr =\int_a^b \nabla \varphi(r(t))\cdot r'(t)\, dt = \int_a^b \frac{d}{dt}(\varphi(r(t))\, dt= \varphi(r(b))-\varphi(r(a)).\] Fim de demonstração.

Destes dois resultados segue

Corolário. Um campo vectorial contínuo num aberto de $\mathbb{R^n}$ é conservativo se e só se for um gradiente de um campo escalar $C^1$ nesse aberto.

Exemplo. Voltemos a considerar o campo vectorial $F:\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\to \mathbb{R}^2$ definido por \[F(x,y)=\left(\frac{x}{x^2+y^2}, \frac{y}{x^2+y^2}\right).\] Como \[\begin{align*}\frac{x}{x^2+y^2}&=\frac{\partial}{\partial x}\left( \frac{1}{2}\log(x^2+y^2)\right) \\ \frac{y}{x^2+y^2}&=\frac{\partial}{\partial y} \left(\frac{1}{2}\log(x^2+y^2)\right) \end{align*}\] este campo possui um potencial escalar $\varphi(x,y)=\frac{1}{2}\log(x^2+y^2)$ e portanto é conservativo. Se pretendermos calcular um integral de linha \[\int_L F\cdot d\beta\] em que $\beta$ é um caminho seccionalmente $C^1$ em $\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}$ unindo um ponto a uma distância $R_1>0$ de $(0,0)$ a um ponto a uma distância $R_2>0$ de $(0,0)$, podemos afirmar imediatamente que o valor do integral é $\log(R_2/R_1)$.

Exemplo. Voltemos a considerar o campo vectorial $G:\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\to \mathbb{R}^2$ definido por \[G(x,y)=\left(-\frac{y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right).\] Como calculámos um integral de linha de $G$ ao longo de um caminho fechado, cujo valor não era $0$, podemos afirmar que este campo não é conservativo e não existe um seu potencial escalar. Fim de exemplo.

Note-se que o único método que temos até ao momento para decidir pela afirmativa que um campo é um gradiente de um potencial envolve primitivar as componentes do campo e ajustar as "constantes" de primitivação (que não são constantes mas funções desconhecidas das restantes variáveis) algo que não é particularmente prático. Exemplificando com o campo \[(x,y,z)\mapsto \left(\frac{yz}{1+x^2y^2z^2}+y, \frac{xz}{1+x^2y^2z^2}+x,  \frac{xy}{1+x^2y^2z^2}+z \right)\] temos que, a existir um potencial $\varphi$, terá que verificar \[\begin{align*}\varphi(x,y,z)& =\int \frac{yz}{1+x^2y^2z^2}+y \, dx = \operatorname{arctg}(xyz)+xy+C_1(y,z), \\ \varphi(x,y,z)& = \int \frac{xz}{1+x^2y^2z^2}+x \, dy = \operatorname{arctg}(xyz)+xy+C_2(x,z) \\ \varphi(x,y,z)& = \int \frac{xy}{1+x^2y^2z^2}+z \, dz = \operatorname{arctg}(xyz)+\frac{z^2}{2}+C_3(x,y)\end{align*}\] algo que é satisfeito (a menos de uma constante aditiva) por \[  \varphi(x,y,z) =  \operatorname{arctg}(xyz)+xy + \frac{z^2}{2}. \] Fim de exemplo.

A igualdade de derivadas parciais de segunda ordem cruzadas para funções $C^2$ num aberto dá-nos uma condição necessária mais expedita para um campo $C^1$ ser um gradiente.

Definição (campo fechado). Um campo vectorial $F:A\subset\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}^n$ com $A$ um aberto e $F\in C^1(A)$ diz-se fechado se em $A$ \[\frac{\partial F_i}{\partial x_j}=\frac{\partial F_j}{\partial x_i}\] para todos os $i,j=1,\dots,n$.

Proposição (gradientes são campos fechados). Seja $ F:A\subset\mathbb{R^n}$, com $ A $ um aberto e $ F\in C^1 (A) $. Se $ F $ é um gradiente então $ F $ é fechado.

Demonstração.Seja $ F=\nabla\varphi $. Temos \[\frac {\partial F_i}{\partial x_j}=\frac {\partial}{\partial x_j}\left(\frac {\partial \varphi}{\partial x_i}\right)=\frac {\partial}{\partial x_i}\left (\frac {\partial \varphi}{\partial x_j}\right)=\frac{\partial F_j}{\partial x_i}.\] Fim de demonstração.

É importante perceber que, por si só, a condição de um campo ser fechado não é suficiente para assegurar que é um gradiente.

Exemplo. Voltemos a considerar o exemplo relativo ao campo $G:\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\to \mathbb{R}^2$ definido por \[G(x,y)=\left(\frac{-y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right).\] O campo é $C^\infty$ e temos \[\frac{\partial}{\partial y}\left(\frac{-y}{x^2+y^2}\right)=\frac{y^2-x ^2}{(x^2+y^2)^2} = \frac{\partial}{\partial x}\left(\frac{x}{x^2+y^2}\right). \] pelo que o campo é fechado. No entanto já vimos um integral ao longo de um caminho fechado $C^1$ deste campo que não é $0$ logo o campo não é conservativo e não é um gradiente.

Por outro lado se considerarmos $\psi:\mathbb{R}^2\setminus\{(x,0): x\geq 0\}\to\mathbb{R}^2$ definido por \[\psi(x,y)=\begin{cases}-\operatorname{arctg}(x/y), & \text{ se } y\gt 0, \\ -\operatorname{arctg}(x/y)+\pi , & \text{ se } y\lt 0, \\ \pi, & \text{ se } y=0 \text{ e } x\leq 0,\end{cases}\] verificamos que $\psi$ é um potencial de $G$ em $\mathbb{R}^2\setminus\{(x,0): x\geq 0\}$ (verifique que $\frac{\partial \psi}{\partial y}$ existe e tem os valores correctos sobre o semi-eixo negativo dos $x$s). Isto é, foi possível restringir $G$ a um subconjunto aberto do seu domínio, cuja diferença para o domínio é um conjunto de alguma forma “pequeno”, aonde já a restrição de $G$ é um gradiente de um potencial.

É possível assim afirmar que, por exemplo, \[\oint_C G\cdot dr = 0\] em que $r(t)=(2+\cos t, \operatorname{sen} t)$, com $t\in [0,2\pi]$ e $C=r([0,2\pi])$. Fim de exemplo.

A questão óbvia que se põe após o exemplo anterior é: existem condições adicionais relativamente ao domínio de um campo fechado que permitam concluir que ele é conservativo? Voltaremos a ela mais tarde mas desde já consideramos um resultado simples desse tipo.

Definição (Conjunto em estrela). Dizemos que $E\subset\mathbb{R}^n$ é um conjunto em estrela se existir $\boldsymbol{x}_0\in E$ tal que qualquer ponto $\boldsymbol{x}\in E$ pode ser ligado a $\boldsymbol{x}_0$ por um segmento de recta contido em $E$, isto é para todo o $t\in [0,1]$ e todo o $\boldsymbol{x}\in E$ temos $(1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x}\in E$.

Exemplos. São exemplos de conjuntos em estrela todos os conjuntos convexos e portanto, em particular, bolas e intervalos. Uma estrela no plano também é em estrela, e daí o nome. Que $\mathbb{R}^n\setminus L$, em que $L$ é uma semi-recta, é também um conjunto em estrela exige um pouco mais de reflexão (faça-o!).

Proposição. Seja $E\subset\mathbb{R}^n$ um conjunto aberto em estrela e $F:E\to\mathbb{R}^n$, $F\in C^1(E)$, um campo fechado. Então $F$ é conservativo.

Demonstração. Definimos $\varphi:E\to\mathbb{R}$ via \[\varphi(\boldsymbol{x})=\int_{L(\boldsymbol{x}_0,\boldsymbol{x})} F\cdot dr\] em que $\boldsymbol{x}_0$ é o ponto na definição de conjunto em estrela e $L(\boldsymbol{x}_0,\boldsymbol{x})$ é o segmento de recta unindo $\boldsymbol{x}_0$ a $\boldsymbol{x}$ parametrizado por $r(t)=(1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x}$, $t\in[0,1]$. Temos \[\varphi(\boldsymbol{x})=\int_0^1 F((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})\cdot (\boldsymbol{x}-\boldsymbol{x}_0)\, dt,\] donde, usando a regra de Leibniz, obtemos \[\begin{align*}\frac{\partial \varphi}{\partial x_i} &=\int_0^1 \frac{\partial}{\partial x_i}\left(\sum_{j=1}^n F_j((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})(x_j-x_{0j})\right)\, dt \\ &= \int_0^1 F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x}) + \sum_{j=1}^n t \frac{\partial F_j}{\partial x_ i} ((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})(x_j-x_{0j}) \, dt \end{align*}\] Usando que o campo $F$ é fechado, a última igualdade dá lugar a \[\frac{\partial \varphi}{\partial x_i} = \int_0^1 F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x}) + \sum_{j=1}^n t \frac{\partial F_i}{\partial x_j} ((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})(x_j-x_{0j}) \, dt \] O teorema de derivação da função composta permite identificar nesta última expressão que \[\sum_{j=1}^n \frac{\partial F_i}{\partial x_j} ((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})(x_j-x_{0j}) =\frac{\partial}{\partial t} \left( F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})\right)\] donde \[\begin{align*}\frac{\partial \varphi}{\partial x_i} &= \int_0^1 F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x}) + t \frac{\partial}{\partial t} \left( F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})\right)\, dt\\ &= \int_0^1  \frac{\partial}{\partial t} \left(t F_i((1-t)\boldsymbol{x}_0+t\boldsymbol{x})\right)\, dt = F_i(\boldsymbol{x}).\end{align*}\] Fim de demonstração.

Note que este resultado permite estabelecer muito facilmente, sem recorrer a primitivação e ter que lidar com uma descontinuidade, que o campo $G$ já considerado em exemplos anteriores, definido por $\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\ni (x,y)\mapsto G(x,y) =\left(-\frac{y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right)$, é conservativo em conjuntos que correspondam a $\mathbb{R}^2$ exceptuando uma semi-recta com origem em $(0,0)$.

Teorema de Green

A regra de Barrow estabelece que, sendo $a\lt b$,  e $f:[a,b]\to\mathbb{R}$ de classe $C^1([a,b])$ temos \[\int_a^b f'(x)\, dx = f(b)-f(a).\]

Note que a igualdade envolve um funcional linear que depende dos valores da derivada de $f$ no seu domínio e um funcional linear de $f$ que só envolve valores de $f$ na fronteira do seu domínio. Vamos estar interessados em resultados que têm estas características mas dizem respeito a funções definidas em limitados de $\mathbb{R}^n$ ou de variedades $k$-dimensionais, com certas características. Vão ser obtidos da regra de Barrow e contêm-na como um caso particular. O mais simples é o chamado teorema de Green. Para introduzi-lo comecemos com um cálculo simples.

Exemplo. Sejam $a\lt b$ dois números reais, $h_1, h_2:[a,b]\to\mathbb{R}$ duas funções contínuas verificando $h_1 \leq h_2$ em $[a,b]$, $U=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: x\in [a,b], h_1(x)\leq y\leq h_2(x)\}$ e $P:U\to\mathbb{R}$, $P\in C^1(U)$.

Note que \[\iint_U \frac{\partial P}{\partial y} \, dx\,dy = \int_a^b\left(\int_{h_1(x)}^{h_2(x)} \frac{\partial P}{\partial y} \, dy\right)dx= \int_a^b P(x,h_2(x))-P(x,h_1(x))\, dx.\]

Por outro lado se considerarmos o integral de linha do campo vectorial $(P,0)$ a um caminho fechado $r$ simples e seccionalmente que percorre $\partial U$ no “sentido directo” verficamos que podemos considerar por concatenação \[\oint_{\partial U} (P,0)\cdot dr = \int_{L_1} (P,0) \cdot dr_1 + \int_{L_2} (P,0) \cdot dr_2 - \int_{L_3}(P,0) \cdot dr_3 - \int_{L_4} (P,0) \cdot dr_4\] em que cada cada $L_i$ corresponde a um “lado” da nossa região parametrizado respectivamente por \[\begin{align*}r_1(t) & =(t,h_1(t)), t\in[a,b], \\ r_2(t) & =(b,t), t\in[h_1(b),h_2(b)], \\ r_3(t) & =(t,h_2(t)), t\in[a,b], \\ r_4(t) & =(a,t), t\in[h_1(a),h_2(a)]. \end{align*}\] Facilmente se verifica que os integrais de linha relativos a $L_2$ e $L_4$ são $0$. Além disso, abreviando a notação dos dois restantes para $\int_{L_1} P \, dx$ e $\int_{L_3} P \, dx$ e de forma similar para o integral ao longo de $\partial U$, obtemos \[ \oint_{\partial U} P \, dx = \int_{L_1} P \, dx - \int_{L_3} P \, dx = \int_a^b P(x, h_1(x))\, dx - \int_a^b P(x, h_2(x))\, dx. \]

Portanto estabelecemos que \[ \oint_{\partial U} P \, dx = -\iint_U \frac{\partial P}{\partial y}\, dx\, dy. \] Fim de exemplo.

região tipo U
Uma regão tipo U na discussão do teorema de Green.

Designaremos os subconjuntos de $\mathbb{R}^2$ para os quais vale uma descrição como no exemplo como sendo de tipo U.

Exercício. Estabeleça, de forma análoga ao exemplo anterior, que para regiões da forma $V=\{(x,y)\in \mathbb{R}^2: g_1(y)\leq x \leq g_2(y), y\in [c,d]\}$ com $c\lt d$, $g_1, g_2\in C^0([c,d])$ e $g_1(y) \leq g_2(y)$ para todo o $y\in [c,d]$, vale \[ \oint_{\partial V} Q \, dy =\iint_V \frac{\partial Q}{\partial x}\, dx\, dy, \] com $\partial V$ percorrida por um caminho fechado simples seccionalmente $C^1$ no sentido directo, para toda a função $Q:V\to\mathbb{R}$, $Q\in C^1(V)$. Note a ausência de sinal menos na fórmula e explique-a!

Designaremos os subconjuntos de $\mathbb{R}^2$ para os quais vale uma descrição como no exercício como sendo de tipo V.

Agora é imediato que

Teorema (de Green). Seja $A\subset\mathbb{R}^2$ simultaneamente de tipo U e tipo V e $P,Q:A\to\mathbb{R}$ duas funções de classe $C^1$. Então vale \[\iint_A \frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y} \, dx\,dy = \oint_{\partial A} P\, dx+ Q\, dy \] em que o integral de linha é tomado relativamente a um caminho fechado simples seccionalmente $C^1$ que descreve $\partial A$ no “sentido directo” na acepção descrita no exemplo.

Exemplo. (Área calculada via um integral de linha) Considerando $P(x,y)=-\frac{y}{2}$ e  $Q(x,y)=\frac{x}{2}$ (existem outras possibilidades) verificamos que podemos calcular a área de certas regiões do plano através de um integral de linha. Fim de exemplo.

Exemplo. Verificamos facilmente que uma bola é simultaneamente de tipo U e tipo V. Tal já não acontece para $B_2(0,0)\setminus B_ 1(0,0)$. No entanto podemos decompor este último conjunto numa união de dois conjuntos que são simultaneamente de tipo U e de tipo V, aplicar o teorema a cada um deles e adicionar membro a membro as igualdades obtidas com resultados interessantes.

Região multiplamente conexa
Estendendo o teorema de Green a $\overline{B_2(0,0)}\setminus B_ 1(0,0)$.

Assim, no caso em que $P, Q: \overline{B_2(0,0)}\setminus B_1(0,0)\to \mathbb{R}$ são funções de classe $C^1$, obtemos \[\oint_{\partial B_2(0,0)}P\, dx + Q\, dy - \oint_{\partial B_1(0,0)}P\, dx + Q\, dy = \iint_{B_2(0,0)\setminus B_1(0,0)} \frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y} \, dx\, dy.\] em que nos integrais de linha convencionamos percorrer a linha em ambos os casos no “sentido directo”. Note cuidadosamente como os integrais de linha nos dois segmentos horizontais se cancelam mutuamente e os sentidos em que se percorrem as circunferências. Fim de exemplo.


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 08/06/2020 13:44:05.