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Cálculo Diferencial e Integral II

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Fórmula de Taylor

Vamos estender a fórmula de Taylor para funções reais de variável real a funções reais de \(n\) variáveis reais. A ideia central desta extensão é considerar a restrição da função a uma recta e usar o teorema de derivação da função composta e a fórmula de Taylor já conhecida. O resultado que obtemos desta forma permite-nos considerar aproximações locais polinomiais num sentido que estende o que já tínhamos considerado na definição de diferenciabilidade.

Vamos assumir hipóteses sobre a função ligeiramente mais fortes do que seria necessário, isto é, assumimos que a função é de classe \(C^k\) num aberto. Tal será particularmente notório quando compararmos com o que já conhecemos para funções de uma variável real.

A secção seguinte recapitula o que já deve ser conhecido sobre a fórmula de Taylor para funções reais de variável real e poderá portanto ser omitida. É incluída para permitir ter uma referência rápida sobre este assunto.

Pré-requisitos relativos a funções reais de variável real

A fórmula de Taylor para funções reais de variável real

Consideramos nesta secção que $k$ designa um natural positivo, isto é, $k\in\mathbb{N}_1$.

Tomamos como ponto de partida conhecido o

Teorema (de Cauchy). Sejam $a,b\in\mathbb{R}$ com $\lt b$ e $g,h:[a,b]\to\mathbb{R}$ duas funções contínuas em $[a,b]$ e diferenciáveis em $]a,b[$. Então existe $c\in{]a,b[}$ tal que \[(g(b)-g(a))h'(c)=(h(b)-h(a))g'(c).\]

No caso particular em que tomamos $g(x)=(x-x_0)^k$ com $x_0\in {]a,b[}$ no teorema de Cauchy, obtemos a existência de $c$ no intervalo de extremos $x_0$ e $x$ tal que \[\frac{g(x)-g(x_0)}{(x-x_0)^k}=\frac{g'(c)}{k(c-x_0)^{k-1}}.\]

Notamos também que sendo $f:V_\epsilon(x_0)\subset\mathbb R\to \mathbb R$ uma função $k$ vezes diferenciável no ponto $x_0$, o polinómio \[P_{f,k}(x-x_0)=f(x_0)+f'(x_0)(x-x_0)+\frac{ f^{''}(x_0)}{2}(x-x_0)^2+\dots+ \frac{ f^{(k)}(x_0)}{k!}(x-x_0)^k\] verifica, para $k\geq 2$, $P'_{f,k}=P_{f',k-1}$ e, em particular, tem todas as derivadas no ponto $x_0$ iguais às de $f$ até à ordem $k$. Chamaremos a este polinómio o polinómio de Taylor de $f$ de ordem $k$ relativo ao ponto $x_0$.

Teorema (de Taylor). Sejam $I\subset \mathbb{R}$ um intervalo aberto e $x_0\in I$. Seja $f:I\to\mathbb{R}$ uma função $k-1$ vezes diferenciável em $I$ e $k$ vezes diferenciável em $x_0$. Então existe um polinómio único de grau menor ou igual a $k$, $Q(x)$, tal que \[\lim_{x\to x_0}\frac{f(x)-Q(x)}{(x-x_0)^k}=0.\] Além disso $Q(x)=P_{f,k}(x-x_0)$.

Demonstração. Começamos por lidar com a unicidade do polinómio $Q$. Se existissem dois polinómios $Q_1$ e $Q_2$ com a propriedade desejada, então \[\lim_{x\to x_0}\frac{Q_1(x)-Q_2(x)}{(x-x_0)^k}=0.\] Como o grau de $Q_1-Q_2$ é menor ou igual a $k$, tal só é possível se os coeficientes dos dois polinómios forem iguais.

Provamos agora que $P_{f,k}(x-x_0)$ tem a propriedade desejada. Comecemos por aplicar o teorema de Cauchy com $g(x)=f(x)-P_{f,k}(x-x_0)$ e $h(x)=(x-x_0)^k$ no intervalo de extremos $x$ e $x_0$. Obtemos que existe $x_1$ no interior desse intervalo tal que \[\frac{f(x)-P_{f,k}(x-x_0)}{(x-x_0)^k}=\frac{f'(x_1)-P'_{f,k}(x_1-x_0)}{k(x_1-x_0)^{k-1}}.\] Podemos voltar a aplicar o teorema de Cauchy ao lado direito da igualdade anterior se $k-1\gt 1$ para obter que \[\frac{f(x)-P_{f,k}(x-x_0)}{(x-x_0)^k}=\frac{f''(x_2)-P''_{f,k}(x_2-x_0)}{k(k-1)(x_2-x_0)^{k-2}}\] para algum $x_2$ no interior do intervalo limitado por $x_0$ e $x$ e assim sucessivamente até obter que \[\frac{f(x)-P_{f,k}(x-x_0)}{(x-x_0)^k}=\frac{f^{(k-1)}(x_{k-1})-P^{(k-1)}_{f,k}(x_{k-1}-x_0)}{k!(x_{k-1}-x_0)}\] para algum $x_{k-1}$ no interior do intervalo limitado por $x_0$ e $x$. A última igualdade garante-nos que \[\lim_{x\to x_0}\frac{f(x)-P_{f,k}(x-x_0)}{(x-x_0)^k}=\lim_{x\to x_0}\frac{f^{(k-1)}(x)-P^{(k-1)}_{f,k}(x-x_0)}{k!(x-x_0)}\] se o limite no lado direito da igualdade anterior existir. Que este último limite existe e é $0$ decorre da existência da $k$-ésima derivada de $f$ em $x_0$. Fim da demonstração.

Podemos assim dizer que, sob as hipóteses do teorema de Taylor, \begin{equation}f(x)=f(x_0)+f'(x_0)(x-x_0)+\frac{f''(x_0)}{2}(x-x_0)^2+\dots+\frac{f^{(k)}(x_0)}{k!}(x-x_0)^k+\mathcal{E}_{f}^{(k)}(x_0;x-x_0) \label{eq:1}\end{equation} em que \[\lim_{x\to x_0} \frac{\mathcal{E}_{f}^{(k)}(x_0;x-x_0)} {(x-x_0)^k}=0,\] designando a igualdade $(\ref{eq:1})$ por fórmula de Taylor de ordem $k$ da função $f$ relativa ao ponto $x_0$ e chamando a  $\mathcal{E}_{f}^{(k)}(x_0;x-x_0)$ resto de ordem $k$ da fórmula de Taylor da função $f$ relativa ao ponto $x_0$.

A fórmula de Taylor levanta duas questões essenciais relativas a convergência. Uma é o comportamento do polinómio quando $x\to x_0$ com $k\in \mathbb{N}_1$ fixo, que está tratada acima no teorema de Taylor. Outra questão é o comportamento da fórmula quando $x$ é fixo e $k\to\infty$. Se $\lim_{k\to\infty} \mathcal{E}_{f}^{(k)}(x_0;x-x_0)=0$ então a série de Taylor \[ \sum_{k=0}^{+\infty} \frac{f^{(k)}(x_0)}{k!}(x-x_0)^k\] representa a função para esse valor de $x$ (Nota: $f^{(0)}=f, f^{(1)}=f'$, etc.). Para podermos decidir esta questão convém termos à disposição resultados que permitam estimar o resto através de condições adicionais relativas a $f$. Um tal resultado é

Teorema (Fórmula de Taylor com resto de Lagrange). Sejam $I\subset \mathbb{R}$ um intervalo aberto e $x_0\in I$.  Seja $f:I\to\mathbb{R}$ uma função $k+1$ vezes diferenciável em $I$. Então para $x\in I$ existe $c$ no intervalo aberto de extremos $x_0$ e $x$ tal que $\mathcal{E}_{f}^{(k)}(x_0;x-x_0)=\frac{f^{(k+1)}(c)}{(k+1)!}(x-x_0)^{k+1}$.

Ideia da demonstração. Repetindo no essencial os argumentos envolvendo sucessivas aplicações do teorema de Cauchy da demonstração do teorema de Taylor, obtém-se, para algum $c$ no intervalo de extremos $x_0$ e $x$, \[\frac{f(x)-P_{f,k}(x-x_0)}{(x-x_0)^{k+1}} = \frac{f^{(k+1)}(c)}{(k+1)!}.\]Fim da ideia da demonstração.

Exemplo (A função exponencial). Seja $f(x)=e^x$ para $x\in\mathbb{R}$. Como sabemos $f^{(k)}(x)=e^x$ para todo o $k\in\mathbb{N}$. Daí que, considerando a fórmula de Taylor de ordem $k$ de $f$ relativamente ao ponto $0$, para cada $x\in\mathbb{R}$ existe $\theta\in{]0,1[}$ tal que \[e^x=1+x+\frac{x^2}{2}+\dots+\frac{x^k}{k!}+\frac{x^{k+1}}{k!}e^{\theta x}.\] Como $\lim_{k\to +\infty}\frac{x^{k+1}}{k!}=0$ reconhece-se que \[e^x=\sum_{k=0}^{+\infty} \frac{x^k}{k!}\] para todo o $x\in\mathbb{R}$.


A fórmula de Taylor para funções reais de mais de uma variável real

Seja \(f:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}\) com \(A\) um aberto e \(f\) uma função de classe \(C^k(A)\) para um certo \(k\geq 1\). Consideremos um ponto \(\boldsymbol{x}_0\in A\) e um vector \(\boldsymbol{h}\in \mathbb{R}^n\setminus \{\boldsymbol{0}\}\). Se considerarmos uma função de variável real \(g(t)=f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h})\) esta estará definida numa vizinhança de \(0\) e aí será de classe \(C^k\). Podemos então aplicar a \(g\) a fórmula de Taylor para funções reais de variável real para afirmar que existe um polinómio \(P(t)\) de grau menor ou igual a \(k\) único tal que \[\lim_{t\to 0}\frac{g(t)-P(t)}{t^k}=0.\] Além disso sabemos que \(P(t)=g(0)+g'(0)t+\dots+\frac{g^{(k)}(0)}{k!}t^k\). No essencial a fórmula de Taylor para funções de várias variáveis segue de exprimirmos as derivadas de \(g\) em termos de \(f\) e considerar com algum cuidado a afirmação sobre limite no novo contexto. Com efeito, usando o teorema de derivação da função composta, verificamos que \[g'(t)=\nabla f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h})\cdot \boldsymbol{h} = D_{\boldsymbol{h}}f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h}).\]

As igualdades anteriores podem ser lidas como fazendo corresponder à derivação de \(g\) em ordem a \(t\) o cálculo da derivada dirigida de \(f\) segundo o vector \(\boldsymbol{h}\) ou o cálculo do gradiente seguido do produto interno com \(\boldsymbol{h}\). Observando que o cálculo de derivadas de ordem superior de \(g\) é exactamente do mesmo tipo, também \[\begin{align*}g''(t)&=\nabla(\nabla f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h})\cdot \boldsymbol{h})\cdot \boldsymbol{h} = D_{\boldsymbol{h}}(D_{\boldsymbol{h}}f)(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h}), \\ \dots & \\ g^{(k)}(t)&=\nabla(\dots \nabla f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h})\cdot \boldsymbol{h})\dots \cdot \boldsymbol{h} = D_{\boldsymbol{h}}(\dots (D_{\boldsymbol{h}}f)\dots)(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h}).\end{align*}\] Motivados por este cálculo introduzimos

Definição (Derivada dirigida de ordem superior à primeira). Dada uma função \(f:U\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}^m\) e um vector \(\boldsymbol{h}\in\mathbb{R}^n\setminus \{\boldsymbol{0}\}\) definem-se derivadas dirigidas de ordem superior a \(1\) de \(f\) segundo \(\boldsymbol{h}\) recursivamente via \[D_{\boldsymbol{h}}^{(j+1)} f=  D_{\boldsymbol{h}}(D_{\boldsymbol{h}}^{(j)}f) , \text{ para } j=1, 2, \dots\] Fim da definição.

Note que uma derivada dirigida não nula de ordem \(k\) é um polinómio homogéneo de grau \(k\), isto é, todos os monómios do polinómio são de grau \(k\) sendo o grau de um monómio a soma dos expoentes que afectam cada variável nesse monómio, ou, de uma maneira mais analítica e precisa, é um polinómio \(P\) não nulo verificando \(P(t\boldsymbol{x})= t^k P(\boldsymbol{x})\) para todo o \(t\in\mathbb{R}\) e todo o \(\boldsymbol{x}\in\mathbb{R}^n\). Uma designação para polinómios homogéneos de grau \(k\) é de formas de grau \(k\) ou, no caso de \(k=2\), formas quadráticas. Relembra-se do estudo de Álgebra Linear que as formas quadráticas em \(\mathbb{R}^n\) podem ser representadas na forma de uma função \[\mathbb{R}^n\ni\boldsymbol{h}\mapsto \boldsymbol{h} \cdot S \boldsymbol{h}\] em que \(S\) é uma matriz simétrica. No caso da derivada dirigida de segunda ordem tal matriz simétrica é a matriz hessiana de \(f\) \[H_f(\boldsymbol{x})\equiv\begin{bmatrix}\frac{\partial^2 f}{\partial x_i \partial x_j}(\boldsymbol{x})\end{bmatrix}_{i,j=1,\dots, n}\]

Exemplo. Considere \(g:\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}\) definida por \(g(x,y)=e^{xy^2}\). Temos \[\begin{align*}D_{(h_1,h_2)}g(x,y) & = (y^2 h_1+ 2xy h_2)e^{xy^2} \\ D_{(h_1,h_2)}^{(2)}g(x,y) & = \left(y^4 h_1^2+ (4y+4x y^3)h_1 h_2+(2x+4x^2y^2) h_2^2\right)e^{xy^2}\end{align*}\] A matriz hessiana de \(g\) é \[H_g(x,y)=\begin{bmatrix}y^4 e^{xy^2} &  (2y+2xy^3)e^{xy^2} \\ (2y+2xy^3)e^{xy^2}& (2x+4x^2y^2)e^{xy^2} \end{bmatrix}\] Fim de exemplo.

Vai-nos convir classificar formas (incluindo formas quadráticas) de acordo com o sinal dos valores que tomam. Relembramos que:

Definição (formas definidas positivas ou negativas, semi-definidas positivas ou negativas, indefinidas). Uma forma \(Q\) diz-se

Definida positiva (resp. negativa)

se \(Q(\boldsymbol{x})>0\) (resp. \(<0\)) se e só se \(\boldsymbol{x}\neq \boldsymbol{0}\).

Semidefinida positiva (resp. negativa)

se \(Q(\boldsymbol{x})\geq 0\) (resp. \(\leq 0\)) para todo o \(\boldsymbol{x}\) e existe um \(\boldsymbol{y}\neq \boldsymbol{0}\) tal que \(Q(\boldsymbol{y})=0\).

Indefinida

se existirem \(\boldsymbol{x}, \boldsymbol{y}\) tais que \(Q(\boldsymbol{x})> 0\) e \(Q(\boldsymbol{y})< 0\). Fim da definição.

Exercício. Mostre qualquer forma de grau ímpar é indefinida.

Exemplos. As seguintes fórmulas quadráticas ilustram a classificação anterior:

  • \(\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto x^2+y^2\) é uma forma quadrática definida positiva.
  • \(\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto -x^2-xy-y^2=-(x+\frac{y}{2})^2-\frac{3y^2}{4}\) é definida negativa.
  • \(\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto x^2\) é semidefinida positiva.
  • \(\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto -(x-y)^2\) é semidefinida negativa.
  • \(\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto xy \) é indefinida.
Forma quadrática definida positiva
Gráfico gerado numericamente da forma quadrática definida positiva $(x,y)\mapsto x^2+xy+y^2$.
Forma quadrática indefinida
Gráfico gerado numericamente da forma quadrática indefinida $(x,y)\mapsto x^2-y^2$.
Forma quadrática semidefinida positiva
Gráfico gerado numericamente da forma quadrática semidefinida positiva $(x,y)\mapsto x^2+4xy + 4y^2$.

Teorema (de Taylor). Sejam \(f:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}\) com \(A\) um aberto, \(f\) uma função de classe \(C^k(A)\) para um certo \(k\geq 1\) e \(\boldsymbol{x}_0\in A\). Então existe um polinómio de \(n\) variáveis e de grau menor ou igual a \(k\) único, \(P_k\), tal que \[\begin{equation}\lim_{\boldsymbol{h}\to \boldsymbol{0}}\frac{f(\boldsymbol{x}_0+\boldsymbol{h})-P_k(\boldsymbol{h})}{\|\boldsymbol{h}\|^k}=0. \label{resto_Taylor}\end{equation}\] Além disso \(P_k\) verifica \[P_k(\boldsymbol{h})=f(\boldsymbol{x}_0)+ D_{\boldsymbol{h}}f(\boldsymbol{x}_0)+\frac{1}{2}D^{(2)}_{\boldsymbol{h}}f(\boldsymbol{x}_0)+\dots+ \frac{1}{k!}D^{(k)}_{\boldsymbol{h}}f(\boldsymbol{x}_0).\]

Ideia da demonstração.  Um ingrediente que não mencionámos na discussão anterior ao enunciado do teorema será a necessidade de usar uma forma conveniente do resto da fórmula de Taylor para funções reais de variável real para podermos obter a afirmação envolvendo um limite. Com efeito se \(g\in C^k(V_\epsilon(a))\) e \(t\in V_\epsilon(a)\) podemos garantir que existe \(\theta\in\; ]0,1[\) tal que \[\begin{split}g(t)= & g(a)+ (t-a)g'(a)+ \frac{(t-a)^2}{2} g''(a)+\dots + \frac{(t-a)^k}{k!} g^{(k)}(a) \\  & + \frac{(t-a)^k}{k!}[g^{(k)}(a+\theta (t-a))-g^{(k)}(a)].\end{split} \] Assim, para \(\boldsymbol{h}\) suficientemente pequeno, introduzindo \(g(t)=f(\boldsymbol{x}_0+t \boldsymbol{h})\), obtém-se que existe \(\theta\in\;]0,1[\) tal que \[\begin{split} f(\boldsymbol{x}_0+\boldsymbol{h})  = &f(\boldsymbol{x}_0)+ D_{\boldsymbol{h}}f(\boldsymbol{x}_0) + \dots + \frac{1}{k!} D_{\boldsymbol{h}}^{(k)}f(\boldsymbol{x}_0)  \\  & +\frac{1}{k!} \left[ D_{\boldsymbol{h}}^{(k)}f(\boldsymbol{x}_0+\theta\boldsymbol{h})-  D_{\boldsymbol{h}}^{(k)}f(\boldsymbol{x}_0) \right]. \end{split}\] A conclusão sobre o limite segue se provarmos que \[\lim_{\boldsymbol{h}\to \boldsymbol{0}} \frac{1}{\|\boldsymbol{h}\|^k}\left[ D_{\boldsymbol{h}}^{(k)}f(\boldsymbol{x}_0+\theta\boldsymbol{h})-  D_{\boldsymbol{h}}^{(k)}f(\boldsymbol{x}_0)\right] =0.  \] (Faça-o!). Que o polinómio de Taylor é único segue de que não existe um polinómio \(Q\) de grau menor ou igual a \(k\) não nulo tal que \(\lim_{\boldsymbol{h}\to \boldsymbol{0}}\frac{Q(\boldsymbol{h})}{\|\boldsymbol{h}\|^k}=0\). Fim da ideia de demonstração.

À diferença entre a função e o polinómio de Taylor continuaremos a chamar resto da fórmula de Taylor (da função $f$, ordem $k$, relativo ao ponto $\boldsymbol{x}_0$ e ao incremento $\boldsymbol{h}$) e usaremos a notação ${\cal E}^{(k)}_f(\boldsymbol{x}_0; \boldsymbol{h})$.

Designaremos igualdades da forma \[f(\boldsymbol{x}+\boldsymbol{h})=P_k(\boldsymbol{h})+{\cal E}^{(k)}_f(\boldsymbol{x}_0; \boldsymbol{h})\] como a fórmula de Taylor de $f$ de ordem $k$ relativa ao ponto $\boldsymbol{x}_0$, independentemente da forma específica que usamos para o polinómio de Taylor e para o resto.

Exemplo. A ideia que usámos para obter a fórmula de Taylor para funções de várias variáveis reais, basearmo-nos na fórmula de Taylor de funções de uma varável real e na composição de funções, também é por vezes útil para obtermos um polinómio de Taylor de uma forma que não é de cálculo intensivo. Este exemplo ilustra essa ideia.

Suponha-se que pretendemos obter o polinómio de Taylor de oitava ordem da função $f(x,y)=e^{x^4+y^4}$ relativo ao ponto $(0,0)$.

Sabemos que \[e^\lambda=\sum_{n=0}^{+\infty} \frac{\lambda^n}{n!}=1+\lambda+\frac{\lambda^2}{2}+\frac{\lambda^3}{6}+\dots\]

Daí que \[e^{x^4+y^4}=\sum_{n=0}^{+\infty} \frac{(x^4+y^4)^n}{n!}=1+x^4+y^4+\frac{(x^4+y^4)^2}{2}+\frac{(x^4+y^4)^3}{6}+\dots\] algo que nos faz suspeitar que a resposta seja simplesmente $1+x^4+y^4+\frac{(x^4+y^4)^2}{2}$, isto é, a soma dos termos de grau menor ou igual a $8$ na última série. Vejamos como justificar este raciocínio formal.

O teorema de Taylor (ou a série de Taylor da exponencial) garante-nos que \[\lim_{\lambda\to 0}\frac{e^\lambda -1-\lambda-\frac{\lambda^2}{2}}{\lambda^2}=0.\]

Daí que pela continuidade da função composta, ou melhor, pelo resultado análogo para limites, temos  \[\lim_{(x,y)\to(0,0)}\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^4+y^4)^2}=0.\]

Mas então, também (justificação abaixo) \[\lim_{(x,y)\to(0,0)}\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^2+y^2)^4}=0.\]

Pela unicidade do polinómio de Taylor e ($\ref{resto_Taylor}$) obtemos a justificação pretendida. Fim do exemplo.


Exercício. Justifique que \[\lim_{(x,y)\to(0,0)}\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^2+y^2)^4}=0.\]

Solução

Sejam $P_1(x,y)=(x^4+y^4)^2$ e $P_2(x,y)=(x^2+y^2)^4$. Temos, para todo o $t\gt 0$, $(x,y)\neq(0,0)$, \begin{align*}P_1(tx,ty)&=t^8P_1(x,y)\\ P_2(tx,ty)&=t^8P_2(x,y) .\end{align*} donde \[\frac{P_1(tx,ty)}{P_2(tx,ty)}=\frac{P_1(x,y)}{P_2(x,y)}\] para todo o $t\gt 0$, $(x,y)\neq(0,0)$. Escolhendo $t=\|(x,y)\|^{-1}$ verificamos que o contradomínio da função $\mathbb{R}^2\setminus\{(0,0)\}\ni (x,y)\mapsto \frac{P_1(x,y)}{P_2(x,y)}$ coincide com o contradomínio da sua restrição a $\partial B_1(0,0)$. Este último conjunto é limitado e fechado e $P_1/P_2$ é positiva logo o teorema de Weierstrass garante a existência de um máximo positivo de $P_1/P_2$, e portanto existe $M\gt 0$ tal que $ P_1/P_2 \leq M$.

Assim podemos justificar que \[\begin{align*}\left|\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^2+y^2)^4}\right|&=\left|\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^4+y^4)^2}\right| \frac{P_1(x,y)}{P_2(x,y)}\\ & \leq \left|\frac{e^{x^4+y^4} -1-(x^4+y^4)-\frac{(x^4+y^4)^2}{2}}{(x^4+y^4)^2}\right| M\end{align*}\] donde segue a afirmação sobre o limite.


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 11/04/2020 19:33:46.