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Cálculo Diferencial e Integral II

Integral de Lebesgue

Esta página virá a ser uma introdução ao integral de Lebesgue em $\mathbb{R}^n$. O texto está incompleto e provavelmente manter-se-á assim durante bastante tempo. Não fará parte do currículo habitual do curso.


Introdução

O integral de Lebesgue que vamos estudar vai:

  • Estender o conceito de integral já conhecido.
  • Permitir dar sentido, em circunstâncias adequadas, a integrais de funções ilimitadas e em conjuntos ilimitados.
  • Comportar-se melhor do ponto de vista de permutação com outros operadores (limites, derivadas parciais) do que até aqui era possível.

Tudo isto vai no entanto requerer alguma sofisticação técnica suplementar se se pretender estudar de uma forma completa. Os detalhes técnicos necessários serão muitas vezes apresentados em secções colapsáveis.

Definição

A definição será feita à custa de extensões sucessivas do conceito de integral. A certa altura certificar-nos-emos que reobtivemos o conceito de integral em todas as situações já conhecidas. Quando precisarmos de distinguir a definição já conhecida de integral da nova definição chamaremos à primeira integração à Riemann e à nova chamaremos integração de Lebesgue.

Começamos por tirar partido de irmos definir um conceito de integral em conjuntos ilimitados para convencionar que a integração em subconjuntos faz-se à custa de prolongamentos por $0$ a $\mathbb{R}^n$:

Definição (relação entre integral em $\mathbb{R}^n$ e em subconjuntos de $\mathbb{R}^n$) Seja $f:A\subset\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}$. Dizemos que $f$ é integrável em $A$ se o prolongamento de $f$ por $0$ a $\mathbb{R}^n$, $f^\ast$ for integrável em $\mathbb{R}^n$ e nesse caso definimos $\int_A f=\int_{\mathbb{R}^n}f^\ast$.

A seguir consideramos funções particularmente simples do ponto de vista de integração para a partir destas estendermos os conceitos de integrabilidade e integral.

Definição (Função em escada). Uma função $s:\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}$ diz-se uma função em escada se tiver valor $0$ no complementar de um intervalo limitado e fechado e se existir uma partição desse intervalo tal que $s$ é constante em dada um dos subintervalos abertos disjuntos dois a dois definidos (da maneira usual na definição de integral) pela partição.

Definição (Integrais de funções em escada). Para funções em escada definimos o seu integral em $\mathbb{R}^n$ da forma natural quando relembramos o conceito de integral já conhecido. Isto é, se $s$ é uma função em escada em $\mathbb{R}^n$ nula no complementar de um intervalo limitado $I$ definimos \[\int_{\mathbb{R}^n} s(x)\, dx = \int_I s(x)\, dx = \sum_j c_j \operatorname{vol}(I_j)\] em que $I = \cup_j I_j \cup E$ com $\{I_j\}$ uma família finita de intervalos abertos limitados disjuntos dois a dois definida pela partição da forma usual, $E$ é um conjunto de medida nula (a união das fronteiras dos $I_j$s) e $s$ é constante e igual a $c_j$ em cada $I_j$. É um exercício verificar que se usarmos duas descrições distintas de uma mesma função em escada o valor do integral é o mesmo.

Definição (limite por quase por toda a parte). Dada uma sucessão de funções $(f_k)_{k\in\mathbb{N}}$, $f_k:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}$, diz-se que $(f_k)$ converge quase por toda a parte em $A$ para uma função $f:A\to\mathbb{R}$, abreviadamente $f_k\to f$ q.p.t.p. em $A$, se existir um conjunto $E$ com medida nula tal que $f_k(x)\to f(x)$ para todo o $x\in A\setminus E$.

Mais geralmente diremos que uma propriedade se verifica quase por toda a parte num conjunto se a propriedade se verificar em todos os pontos do conjunto excepto possivelmente num conjunto com medida nula.

Para preparar a definição de integral para funções mais gerais vamos primeiro estabelecer que quando aproximamos funções através de sucessões crescentes q.p.t.p. de funções em escada, a aproximação por integrais de tais funções é independente da sucessão específica que estivermos a considerar.

Proposição. Sejam $(s_k)$ e $(\sigma_k)$ duas sucessões de funções em escada, crescentes e convergentes quase por toda a parte para uma função $f:\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}$. Então \[\lim_{k\to+\infty}\int_{\mathbb{R}^n} \sigma_k(x)\, dx = \lim_{k\to+\infty}\int_{\mathbb{R}^n} s_k(x)\, dx.\]

Demonstração.

O resultado segue de uma proposição já estabelecida.

Seja $j\in\mathbb{N}$ fixo. Considere-se a sucessão $(\max(0, s_j-\sigma_k))_{k\in\mathbb{N}}$. Trata-se de uma sucessão de funções em escada. Como $(\sigma_k)$ é crescente q.p.t.p. trata-se de uma sucessão decrescente q.p.t.p. Como $f\geq s_j$ q.p.t.p. e $\sigma_k\to f$ q.p.t.p. também podemos afirmar que $\lim_k \max(0, s_j-\sigma_k)=0$ q.p.t.p. Então, usando o resultado citado \[\lim_{k\to + \infty} \int_{\mathbb{R^n}}\max(0, s_j(x)-\sigma_k(x))\, dx = 0.\] Tal implica que \[\lim_{k\to+\infty} \int_{\mathbb{R}^n}\sigma_k(x)\, dx \geq \int_{\mathbb{R}^n}s_j(x)\, dx \] e, tomando limite quando $j\to +\infty$, \[\lim_{k\to+\infty} \int_{\mathbb{R}^n}\sigma_k(x)\, dx \geq \lim_{j\to+\infty}  \int_{\mathbb{R}^n}s_j(x)\, dx. \] Obviamente podemos permutar $s$ e $\sigma$ na argumentação anterior para obter \[\lim_{k\to+\infty} \int_{\mathbb{R}^n}s_k(x)\, dx \geq \lim_{j\to+\infty}  \int_{\mathbb{R}^n}\sigma_j(x)\, dx\] o que estabelece a igualdade dos limites.

Definição (função superior) Uma função que é q.p.t.p. o limite de uma sucessão crescente de funções em escada tais que o limite dos integrais destas últimas é finito designa-se uma função superior.

O nosso próximo objectivo é definir, através de aproximação por funções em escada, o integral de uma função superior.

Definição (integral de uma função superior em $\mathbb{R}^n$) Seja $f:\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}$ tal que existe uma sucessão crescente q.p.t.p. $(s_k)$ de funções em escada tal que $\lim_{k\to + \infty} s_k(x) = f(x)$ q.p.t.p. e tal que \[\lim_{k\to+\infty}\int_{\mathbb{R}^n}s_k(x)\, dx\in\mathbb{R}.\] Então dizemos que $f$ é integrável em $\mathbb{R}^n$ com \[\int_{\mathbb{R}^n} f(x)\, dx = \lim_{k\to+\infty}\int_{\mathbb{R}^n}s_k(x)\, dx.\] Fim da definição.

Note que para funções em escada, para as quais já temos um conceito de integral, esta definição é coerente, isto é, se $f$ nas definições anteriores for uma função em escada obtém-se que a função é uma função superior cujo integral tem o valor que obteríamos com a definição já conhecida.

Convém-nos também obter desde já exemplos não triviais de funções superiores.

Proposição. Uma função contínua $f$ definida num intervalo limitado e fechado $I$ de $\mathbb{R}^n$ é uma função superior e o valor do seu integral é o já conhecido.

Ideia da demonstração

Descrevemos a ideia básica em dimensão $n=1$ com $I=[0,1]$.

Seja $k\in\mathbb{N}_1$. Escolha-se $j\in \mathbb{N}_1$ tal que, se $I$ for dividido em $2^j$ subintervalos $\left[\frac{i}{2^j}, \frac{i+1}{2^j}\right]$ com $i=0,\dots,2^j-1$, a oscilação de $f$ em cada um destes subintervalos é menor que $1/k$ (tal é possível graças ao teorema de Heine-Cantor). Escolhido tal $j$ definimos uma função em escada $s_k$ como tendo o valor $\inf_{\left[\frac{i}{2^j}, \frac{i+1}{2^j}\right]} f$ respectivamente em cada um dos intervalos $\left]\frac{i}{2^j}, \frac{i+1}{2^j}\right[$. A sucessão $(s_k)$ possui-se uma subsucessão crescente q.p.t.p., convergente q.p.t.p. para $f$, formando os integrais dos $s_k$ uma sucessão de somas inferiores de $f$ convergindo para o integral de Riemann de $f$.

O resultado pode ser melhorado para todas as as funções integráveis à Riemann. O argumento de aproximação por funções em escada precisa de ser consideravelmente mais sofisticado recorrendo-se ao teorema de Heine-Borel.

Proposição. Uma função $f$ definida e integrável à Riemann num limitado de $\mathbb{R}^n$ é uma função superior e o valor do seu integral é o já conhecido.

Ideia da demonstração

Podemos supor que $f$ está definida num intervalo limitado e fechado de $\mathbb{R}^n$ e é contínua excepto num subconjunto $E$ com medida nula.

Para cada $k\in\mathbb{N}_1$ existe uma família contável de intervalos abertos $\{I_{kj}\}$ tal que $\cup_j I_{kj}\supset E$ e $\sum_j \operatorname{vol}(I_{kj}) \lt \frac{1}{2^k}$. Os conjuntos $A_k=I\setminus \cup_j I_{kj}$ são limitados e fechados onde $f$ é contínua. Para cada $x\in A_k$ existe um intervalo aberto $I_{kx}\ni x$ tal que a oscilação de $f$ em $I_{kx}$ é menor que $\frac{1}{k}$. A família formada por todos os $I_{kj}$s e $I_{kx}$s é uma cobertura de $I$ que, pelo teorema de Heine-Borel, possui uma subcobertura finita. Tal subcobertura finita gera uma partição $P_k\in\mathcal{P}(I)$ pelo processo habitual que exprime $I$ como uma união finita de intervalos abertos disjuntos dois a dois e de um conjunto de medida nula formado pelas fronteiras de todos esses intervalos abertos.

Definimos uma função em escada $\sigma_k$ como valendo $\inf_I f$ em cada subintervalo $J$ aberto determinado por $P_k$ que está contido nalgum $I_{kj}$ e como valendo $\inf_J f$ caso o intervalo aberto $J$ não esteja contido em nenhum $I_{kj}$ .

Se definirmos $s_k=\max_{j=1}^k \sigma_j$, a sucessão $(s_k)$ é formada por funções em escada, está definida, é monótona e converge para $f$ q.p.t.p. em $I$, com $\int_I s_k\to\int_I f$.

Podemos também verificar imediatamente que estendemos o conceito de integral para além das situações conhecidas.

Exemplo (a função de Dirichlet é integrável). Seja $D:\mathbb{R}\to\mathbb{R}$ definida por \[D(x)=\begin{cases}0, & \text{ se } x\not\in \mathbb{Q}, \\ 1, & \text{ se } x\in \mathbb{Q}.\end{cases}\] Como $\mathbb{Q}$ tem medida nula a sucessão de funções idênticas nulas em $\mathbb{R}$ é uma sucessão crescente de funções em escada convergindo quase por toda a parte para $D$ e portanto $D$ é integrável em $\mathbb{R}$ com \[\int_{\mathbb{R}}D(x)\, dx =0.\] Fim de exemplo.

Proposição (soma de funções superiores, produto de um número não negativo por uma função superior). Sejam $f,g:A\subset\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}$ duas funções superiores e $\alpha \in [0,+\infty[$. Então também são funções superiores $f+g$ e $\alpha f$ com $\int_A f+g = \int_A f + \int_A g$ e $\int_A \alpha f=\alpha\int_A f$.

Ideia da demonstração

As mesma propriedades valem para funções em escada, a adição de sucessões de funções em escada crescentes q.p.t.p. é uma sucessão de funções em escada crescente q.p.t.p., etc.

Exercício. Mostre que se $u_1, u_2, v_1,v_2:A\subset\mathbb{R}^n\to\mathbb{R}$ são funções superiores tais que $u_1-v_1=u_2-v_2$ então $\int_A u_1 -\int_A v_1 = \int_A u_2 -\int_A v_2$.

Exercício. Dê exemplo de uma função superior $f$ tal que $-f$ não é uma função superior.

Definição (integral de Lebesgue). Seja $f:A\subset\mathbb{R}^n\to \mathbb{R}$. Dizemos que $f$ é integrável em $A$ se existirem funções superiores $u,v:A\to \mathbb{R}$ tais que $f=u-v$ e nesse caso definimos $\int_A f(x)\, dx = \int_A u(x)\, dx - \int_A v(x)\, dx$.

Note-se que decorre das definições anteriores que para falarmos do integral de uma função num conjunto $A$ não necessitamos que a função esteja definida em todo o $A$ bastando que seja esteja definida em $A$ q.p.t.p..

Convergência monótona

O integral de Lebesgue vai ter excelentes propriedades no que toca a limites de sucessões de funções. O primeiro de tais resultados vai ser o teorema da convergência monótona. Vai ser estabelecido incrementalmente começando com uma versão para sucessões monótonas de funções em escada, passando por uma versão para sucessões monótonas de funções superiores, e finalmente com a versão para sucessões monótonas de funções integráveis.

Lema (convergência monótona para funções em escada).

Lema (convergência monótona para funções superiores).

Teorema (convergência monótona). Seja $(f_k)$ uma sucessão de funções definidas e integráveis em $A\subset\mathbb{R}^n$, monótona q.p.t.p. com $\lim_{k\to +\infty}\int_A f_k(x)\, dx$ finito. Então o $\lim_{k\to + \infty} f_k(x)$ existe q.p.t.p. em $A$ definindo q.p.t.p. uma função $f$ integrável em $A$ com $\int_A f(x)\, dx= \lim_{k\to +\infty}\int_A f_k(x)\, dx$.

Convergência dominada

O texto anterior está em elaboração.


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 02/09/2019 09:10:13.