Ficha 7 — Variedades e extremos condicionados
- Seja $V=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: z=\sqrt{x^2+y^2} = 1 - \sqrt{x^2+ 4 y^2}\right\}$. Justifique que $V$ é uma variedade diferenciável unidimensional. Determine o respectivo espaço tangente e espaço normal no ponto $(1/2,0,1/2)$.
- Seja $S=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: x^2+y^2+z^4=3\right\}$. Mostre que $S$ é uma variedade bidimensional em $\mathbb{R}^3$. Determine o seu espaço tangente e o seu espaço normal em $(1,1,1)$.
- Seja $M=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: (x-y)^2+z^2=5\right\}$.
- Justifique que $M$ é uma variedade diferenciável e determine a sua dimensão.
- Determine $N_M(1,0,2)$ e $T_M(1,0,2)$, respectivamente o espaço normal e o espaço tangente a $M$ no ponto $(1,0,2)$.
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Considere o subconjunto $M$ de $\mathbb{R}^3$ definido por \[\begin{cases}x^4+y^2=1 \\ y^2+z^2=4\end{cases}\]
- Justifique que $M$ é uma variedade diferenciável e indique a sua dimensão.
Solução
$M$ é um conjunto não vazio pois, por exemplo, $(0,1,\sqrt{3})\in M$. Se definirmos $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^2$ por $F(x,y,z)=(x^4+y^2-1, y^2+z^2-4)$ temos $M=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: F(x,y,z)=\boldsymbol{0}\}$, $F\in C^1(\mathbb{R}^3)$ e \[J_F(x,y,z)=\begin{bmatrix}4x^3 & 2y & 0 \\ 0 & 2y & 2z\end{bmatrix}.\]
Se as duas primeiras colunas da matriz jacobiana não fossem linearmente independentes, o que corresponderia a $\det \frac{\partial F}{\partial (x,y)}=0$, teríamos ou $y=0$ ou $x=0$.
Se $y= 0$ a definição de $M$ obriga a que $|x|=1$ e $|z|=2$. Mas então $\det \frac{\partial F}{\partial (x,z)}=8 x^3 z \neq 0$ pelo que a primeira e a terceira coluna de $J_F(x,y,z)$ são linearmente independentes.
Se $y\neq 0$ e $x = 0$ e não existissem colunas linearmente independentes de $J_F(x,y,z)$ então também $\det \frac{\partial F}{\partial (y,z)}=0$ o que só seria possível com $z=0$. Mas com $(x,z)=(0,0)$ deveríamos ter da definição de $M$, tanto $y^2=1$ como $y^2=4$ o que é impossível.
Assim verificámos que $J_F(x,y,z)$ tem característica máxima (ou equivalentemente a derivada de $F$ é sobrejectiva em todos os pontos de $M$) e portanto $M$ é uma variedade $1$-dimensional.
[Argumentar que $J_F$ tem característica máxima nos pontos de $M$ pode ser feito de outras formas. Por exemplo, se $x\neq 0 \neq y$ é óbvio que as linhas de $J_F$ são linearmente independentes. Analogamente se $x\neq 0 \neq z$ ou $y\neq 0 \neq z$. Se $x=y=0$ ou $x=z=0$ ou $y=z=0$ é também óbvio que as duas linhas não são linearmente independentes (em dois dos casos uma linha é nula e no outro são iguais). Mas, se duas coordenadas são nulas, ou uma das equações definindo $M$ não é verificada, ou as duas equações obrigam a terceira coordenada a tomar valores distintos, o que é impossível.]
- Determine o espaço normal e o espaço tangente a $M$ no ponto $(x,y,z)=(0,1,\sqrt{3})$.
Solução
Se designarmos as coordenadas da função $F$ definida na solução da alínea anterior por $F_1$ e $F_2$, sabemos que para cada um dos pontos de $M$ o espaço normal é gerado por $\nabla F_1$ e $\nabla F_2$ calculados nesse ponto. Em particular $\nabla F_1 = (4x^3, 2y , 0)$, $\nabla F_2 = (0, 2y , 2z)$ donde \begin{align*}N_M(0,1,\sqrt{3})&=\left\{\alpha (0,2,0)+\beta (0,2,2\sqrt{3}): \alpha, \beta\in\mathbb{R}\right\} \\ & = \left\{(0,\delta,\epsilon): \delta,\epsilon\in\mathbb{R}\right\}, \\ T_M(0,1,\sqrt{3}) &= \left\{(\gamma, 0, 0):\gamma\in\mathbb{R}\right\}.\end{align*}
- Justifique que $M$ é uma variedade diferenciável e indique a sua dimensão.
- Considere $M=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: (z-x^2-y^2)\left((z-1)^2+x^2+y^2-\frac{3}{4}\right)=0\right\}$. Decida se $M$ é ou não uma variedade bidimensional. Se optar pela negativa determine o maior subconjunto de $M$ que é uma variedade bidimensional e classifique-a quanto a ser conexa e compacta (limitada e fechada). Em qualquer dos casos determine o espaço tangente e o espaço normal no ponto $(2,2,8)$.
- Seja \[S = \left\{(x, y, z,w) \in \mathbb{R}^4: w^2 + x^2 + y^2 + z^2 = 1, w^2 − 3x^2 + y^2 − z^2 + \frac{1}{2} =0\right\}.\] Decida se $S$ é ou não uma variedade. Se optar pela afirmativa determine a sua dimensão. Se optar pela negativa determine o menor conjunto $E \subset \mathbb{R}^4$ tal que $S\setminus E$ seja uma variedade. Em qualquer caso determine o espaço tangente no ponto $( 1/2 , 1/2 , 1/2 , 1/2 )$.
Solução
O conjunto $S$ está definido implicitamente por $F(x,y,z,w)=(0,0)$ em que $F=(F_1,F_2):\mathbb{R}^4\to \mathbb{R}^2$ é definida por \[\begin{cases}F_1(x,y,z,w)=w^2 + x^2 + y^2 + z^2-1, \\ F_2(x,y,z,w)=w^2 − 3x^2 + y^2 − z^2 + \frac{1}{2}.\end{cases}\] As coordenadas de $F$ são polinómios de maneira que $F\in C^\infty(\mathbb{R}^4)$. A matiz jacobiana de $F$ é \[J_F(x,y,z,w)=\begin{bmatrix}\nabla F_1 \\ \nabla F_2 \end{bmatrix} = \begin{bmatrix}2x & 2y & 2z & 2w \\ -6x & 2y & -2z & 2w \end{bmatrix}\] Considerando a primeira e a segunda coluna de $J_F$ verificamos que a não independência linear destas duas colunas obrigaria a que $x$ ou $y$ fosse $0$ ($\det\frac{\partial (F_1,F_2)}{\partial (x,y)}=16xy$). Considerando a segunda e a terceira coluna verificamos de forma análoga que a sua não independência linear obrigaria a que $y=0$ ou $z=0$. Portanto a não independência linear simultânea da primeira e segunda coluna e da segunda e terceira coluna obrigaria a $y=0$ ou $x=z=0$. Continuando de forma análoga com a terceira e quarta colunas obtemos que para $DF$ não ser sobrejectiva devíamos ter $x=z=0$ ou $y=w=0$ ou $y=z=0$. A primeira destas possibilidades obrigaria a $w^2+y^2+\frac{1}{2}=0$ que é impossível. A segunda obrigaria a termos tanto $x^2+z^2=1$ como $3x^2+z^2=\frac{1}{2}$. Estas duas condições implicam $2x^2=-\frac{1}{2}$ que é impossível. Finalmente a terceira possibilidade implicaria $w^2+x^2=1$ e $w^2-3 x^2+\frac{1}{2}=0$ o que acarreta $4x^2=\frac{3}{2}$ e $w^2=\frac{5}{8}$, ou seja $w$ e $x$ seriam simultanemente não nulos o que implica que a primeira e a quarta colunas da matriz jacobiana seriam linearmente independentes. Assim podemos afirmar que, em todos os pontos de $S$, $DF$ é sobrejectiva.
Finalmente $S$ é um conjunto não vazio pois $(1/2,1/2,1/2,1/2)\in S$. Assim $S$ é de facto uma variedade-$2$ em $\mathbb{R}^4$.
O espaço tangente em $(1/2,1/2,1/2,1/2)$ é o complemento ortogonal do espaço normal no mesmo ponto. Este último é gerado por $\nabla F_1(1/2,1/2,1/2,1/2)=(1,1,1,1)$ e $\nabla F_2(1/2,1/2,1/2,1/2)=(-3,1,-1,1)$. Assim o espaço tangente em $(1/2,1/2,1/2,1/2)$ é formado pelos vectores $(s,t,u,v)$ de $\mathbb{R}^4$ verificando \[\begin{cases}s+t+u+v=0, \\ -3s+t-u+v=0.\end{cases}\]
- Sejam $M=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: (x^2+y^2-1)(x^2+z^2-1)=0\}$ e
$E=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: x^2+y^2-1=0, x^2+z^2-1=0\}$.- Justifique que $M\setminus E$ é uma variedade bidimensional.
- Determine o espaço tangente e o espaço normal a $M\setminus E$ no ponto $(1,0,1)$.
Solução
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Alternativa A
Seja $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}$ dada por $F(x,y,z)=(x^2+y^2-1)(x^2+z^2-1)$; tem-se $F\in C^1(\mathbb{R}^3)$ e $M=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: F(x,y,z)=0\}.$ Quanto à matriz jacobiana de $F$, \[J_F= \begin{bmatrix}2x(x^2+y^2-1+x^2+z^2-1) & 2y(x^2+z^2-1) & 2z(x^2+y^2-1)\end{bmatrix},\] terá característica $1$ sse uma das suas entradas for não nula. Ora, se $(x,y,z) \in M\setminus E$, tem-se $x^2+z^2-1\neq 0$ ou $x^2+y^2-1\neq 0$. Se forem ambos não nulos, $\nabla F=(0,0,0)$ sse $(x,y,z)=(0,0,0)$, mas $(0,0,0) \not \in M$. Suponhamos, então que $x^2+y^2-1= 0$ (logo $x^2+z^2-1\neq 0$ ); ter-se-á $\frac{\partial F}{\partial z}=0$ e $\frac{\partial F}{\partial y}=\frac{\partial F}{\partial x}=0$ sse $x=y=0$, logo $x^2+y^2-1=-1= 0$, o que é absurdo. De modo análogo, também $x^2+z^2-1= 0$ conduz a um absurdo. Concluímos assim que a matriz jacobiana de $F$ tem característica igual a $1$ em todo o $(x,y,z) \in M\setminus E$.$M\setminus E$ é pois uma variedade de dimensão $2$.
Alternativa B
$M$ é formado por zeros das funções $(x,y,z)\mapsto \psi(x,y,z)=x^2+y^2-1$ e $(x,y,z)\mapsto \varphi(x,y,z)=x^2+z^2-1$. $E$ é formado pelos zeros simultâneos de $\psi$ e $\varphi$. $M\setminus E$ é formado pelos pontos de $M$ que não estão em $E$, ou seja, que não são zeros simultâneos de $\psi$ e $\varphi$.Em termos geométricos elementares $M$ é formado pela união dos cilindros de equações $x^2+y^2-1=0$ e $x^2+z^2-1=0$, $E$ é formado pela intersecção daqueles cilindros.
Para cada ponto de $M\setminus E$ existe um aberto $U$ que o contém tal que em $(M\setminus E)\cap U$ uma das funções $\psi$ ou $\varphi$ é não nula e a outra é identicamente nula (tal decorre da continuidade destas funções). Suponhamos concretamente que é aí $\psi=0$ e $\varphi\neq 0$. Então, em $U$, $M\setminus E$ coincide com os zeros de $\psi$. Bastará então provar que $x^2+y^2-1=0$ define uma variedade $2$. Tal segue de $\psi$ ser $C^\infty$ e $J_\psi(x,y,z)=\begin{bmatrix}2x & 2y & 0\end{bmatrix}$ e uma das entradas desta matriz ter de ser não nula devido à condição $x^2+y^2=1$. O caso em que $\psi\neq 0$ e $\varphi= 0$ em $U$ é análogo.
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Com a notação da alínea anterior, $\nabla F(1,0,1)=(2,0,0)$ (Alternativa A) ou $\nabla \psi(1,0,1)=(2,0,0)$ (Alternativa B) é vector normal à variedade no ponto $(1,0,1)$; o respectivo espaço normal é $\{(x,0,0): x \in\mathbb{R}\}$, isto é, a recta $y=z=0$.
Se $T$ é vector tangente a $M\setminus E$ no ponto $(1,0,1)$, tem-se $T \cdot \boldsymbol{e}_1=0$ e o espaço tangente é o espaço vectorial gerado por $\boldsymbol{e}_2$ e $\boldsymbol{e}_3$ , isto é, $\{(0,y,z): y,z \in\mathbb{R}\}=\{(x,y,z): x =0\}$.
- Determine o(s) ponto(s) mais perto da origem na superfície $z^2-xy=1$.
- Determine o(s) ponto(s) mais perto da origem na linha definida por \[\begin{cases}x^2-xy+y^2-z^2=1, \\ x^2+y^2=1.\end{cases}\]
Solução
Começamos por usar a restrição $x^2+y^2=1$ para simplificar a descrição do conjunto onde procuramos um mínimo para a distância à origem. Assim, consideramos a função $F:\mathbb R^3\to\mathbb R^2$ dada por $F=(F_1,F_2)$ com \[\begin{cases}F_1(x,y,z)=x^2+y^2-1 \\ F_2(x,y,z)=z^2+xy\end{cases}\] e definimos $M$ como sendo o conjunto de nível zero de $F$, isto é, \[M=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: F(x,y,z)=(0,0)\right\}.\]
Pretendemos minimizar a função $f(x,y,z)=x^2+y^2+z^2$, com $(x,y,z)\in M$. Uma vez que o conjunto $M$ é compacto (limitado e fechado) e $f\in C^\infty (\mathbb{R}^3)$ (logo, em paricular, é contínua), o Teorema de Weierstrass garante que $f$ tem mínimo em $M$. Consideremos então o sistema de Euler-Lagrange, \[\begin{cases}\nabla f(x,y,z)=\lambda _1 \nabla F_1(x,y,z)+\lambda _2 \nabla F_2(x,y,z)\\ F_1(x,y,z)=0\\F_2(x,y,z)=0\end{cases},\] ou seja, \[\begin{cases}2x=2\lambda _1 x+\lambda _2 y\\ 2y=2\lambda _1 y+\lambda _2 x\\2z=2\lambda _2 z\\x^2+y^2=1\\z^2+xy=0.\end{cases}\]
Da 3ª equação, obtemos $z=0 \vee \lambda_2=1$.
Se $z=0$, pela 5ª equação vem $x=0 \vee y=0$. Se $x=0$ então $y^2=1$ (da 4ª equação), o que nos leva a considerar os dois pontos $(0,1,0)$ e $(0,-1,0)$. Por outro lado, e do mesmo modo, se $y=0$ vem $x^2=1$ e consideramos os pontos $(1,0,0)$ e $(-1,0,0)$.
Se $\lambda_2=1$, \[\begin{cases}2x(1-\lambda_1)=y\\ 2y(1-\lambda_1)=x,\end{cases}\] pelo que $x=0 \vee \lambda_1=\frac{1}{2}\vee \lambda_1=\frac{3}{2}$; no primeiro caso também $y=0$ o que contradiz a 4ª equação acima; se $\lambda_1=\frac{1}{2}$ temos $x=y$ donde $z^2+x^2=0$ o que obriga $x=y=0$ o que é impossível devido a $x^2+y^2=1$; se $\lambda_1=\frac{3}{2}$ temos $y=-x$ o que conduz a quatro soluções $\left(\frac{\sqrt{2}}{2}, -\frac{\sqrt{2}}{2}, \pm\frac{\sqrt{2}}{2}\right)$ e $\left(-\frac{\sqrt{2}}{2}, \frac{\sqrt{2}}{2}, \pm\frac{\sqrt{2}}{2}\right)$ .
Dado que $f(0,1,0)=f(0,-1,0)=f(1,0,0)=f(-1,0,0)=1$ e que nas quatro restantes soluções a distância é $\sqrt{\frac{3}{2}}$, concluímos que os quatro primeiros são os pontos a distância mínima. Os restantes quatro pontos correspondem a pontos a distância máxima (para justitificar esta última afirmação comece por mostrar que a linha onde procuramos os extremos é limitada e fechada).
Observação:
É possível também resolver este problema por um método engenhoso e ad hoc não envolvendo o sistema de Euler-Lagrange. Parametrize-se a linha por \[\begin{cases}x=\cos\alpha,\\ y=\sen \alpha, \\ z^2 = -\cos \alpha\sen \alpha\end{cases}\] com $\alpha\in [0,2\pi]$. Então o nosso problema corresponde a procurar o mínimo da função $[0,2\pi]\ni \alpha \mapsto 1-\cos \alpha\sen \alpha=1-\frac{1}{2}\sen(2\alpha)$ o que facilmente se reconhece como ocorrendo para $\alpha=\pi/4$ e $\alpha = 5\pi/4$ conduzindo aos quatro pontos na solução acima.
A possibilidade de uma parametrização adequada poder ser obtida para a variedade onde se procura o extremo, de maneira a poder-se atacar o problema com este tipo de raciocínio, é algo que em geral não temos garantia que ocorra para além de exemplos algebricamente muito simples.
Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 09/05/2021 11:25:35.