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Cálculo Diferencial e Integral II

Solução do 2º Teste, versão B, 2019/06/07

  1. Considere o sistema \[ \begin{cases}z=x^2+y^2, \\ z^2 -y^2 +\sen(xz) -4x^2=0. \end{cases} \]

    1. Mostre que o sistema define $(x,y)$ como uma função $C^1$ de $z$ numa vizinhança de $(x,y,z)=(0,1, 1)$.
      Solução

      Seja $\psi:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^2$ definida por \[\psi(x,y,z)=(\psi_1(x,y,z),\psi_2(x,y,z)) = (z-x^2-y^2,z^2 -y^2 +\sen(xz) -4x^2).\] Verificamos que $\psi\in C^1(\mathbb{R}^3)$, $\psi(0,1, 1)=(0,0)$ e \[J_\psi(x,y,z)=\begin{bmatrix}-2x & -2y & 1 \\ z\cos(xz)-8x & -2y& 2z \end{bmatrix}\] pelo que \[J_\psi(0,1,1)=\begin{bmatrix}0 & -2 & 1 \\ 1 & -2 & 2 \end{bmatrix}\] e $\det \frac{\partial \psi}{\partial(x,y)}(0,1,1) = \det\left[\begin{smallmatrix}0 & -2 \\ 1& -2 \end{smallmatrix}\right] = 2 \neq 0$ e podemos invocar o teorema da função implícita para garantir que o sistema define $(x,y)$ como uma função $C^1$ de $z$ numa vizinhança de $(0,1,1)$.

    2. Calcule $\frac{dy}{dz}(1)$.
      Solução

      Se $z\mapsto (x(z), y(z))$ for a função cuja existência garantimos na alínea anterior, devemos ter \begin{equation}\psi(x(z), y(z), z)=(0,0) \label{eq1_1b_T2B_201819}\end{equation} para $z$ numa vizinhança de $1$. Diferenciando ambos os lados de $(\ref{eq1_1b_T2B_201819})$ obtém-se o sistema \begin{equation}\begin{cases}\frac{\partial\psi_1}{\partial x}\frac{dx}{dz} + \frac{\partial\psi_1}{\partial y}\frac{dy}{dz} + \frac{\partial\psi_1}{\partial z} = 0, \\ \frac{\partial\psi_2}{\partial x}\frac{dx}{dz} + \frac{\partial\psi_2}{\partial y}\frac{dy}{dz} + \frac{\partial\psi_2}{\partial z} = 0. \end{cases}\label{eq2_1b_T2B_201819} \end{equation} Particularizando para $(x,y,z)=(0,1,1)$ obtém-se \[\begin{cases}-2\frac{dy}{dz}(1) + 1 &= 0, \\ \frac{dx}{dz}(1) -2\frac{dy}{dz}(1) + 2 &= 0,\end{cases}\] pelo que $\frac{dy}{dz}(1)=\frac{1}{2}$.

      Comentário

      Faz-se notar que ($\ref{eq2_1b_T2B_201819}$) pode escrever-se na forma \[\frac{\partial(\psi_1,\psi_2)}{\partial (x,y)}\begin{bmatrix}\frac{dx}{dz} \\ \frac{dy}{dz} \end{bmatrix} + \frac{\partial (\psi_1,\psi_2)}{\partial z}= 0\] o que dá uma fórmula para as derivadas de $x$ e $y$ em ordem a $z$ \[\begin{bmatrix}\frac{dx}{dz} \\ \frac{dy}{dz} \end{bmatrix}  = - \frac{\partial(\psi_1,\psi_2)}{\partial (x,y)}^{-1} \frac{\partial (\psi_1,\psi_2)}{\partial z}.\]

      Fórmulas como a precedente são abundantes na literatura sobre teorema da função implícita e exercem um fascínio mórbido sobre alguns alunos que as tentam decorar (mal) sem perceberem o seu significado e origem (o teorema de derivação da função composta mais alguma álgebra linear).

  2. Calcule, usando uma mudança de variáveis apropriada, \[\iiint_V y\, dx\,dy\,dz\] em que $V=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: 0\leq z\leq x^2+y^2\leq 4, 1\leq x^2+y^2, 0\leq y\leq x\}$.

    Solução

    As condições $0\leq z\leq x^2+y^2\leq 4$ e $1\leq x^2+y^2$ definem, visto só envolverem $z$ e $x^2+y^2$, uma região de $\mathbb{R}^3$ invariante por rotação em torno do eixo dos $z$s. Para identificá-la com facilidade introduzimos $r\equiv \sqrt{x^2+y^2}$ e consideramos a região do semiplano $rz$ definida por $\{(r,z):0\leq z\leq r^2\leq 4, 1\leq r^2\}$.

    A região do semiplano $rz$ definida por $\{(r,z):0\leq z\leq r^2\leq 4, 1\leq r^2\}$.

    Usando então coordenadas cilíndricas definidas por \begin{align*}x&=r\cos\theta, \\ y&=r\sen \theta, \\ z&=z\end{align*}com $\theta\in [0,2\pi]$ e $r\geq 0$, obtemos \[\iiint_V y\, dx\,dy\,dz= \int_0^{\pi/4}\left(\int_1^2 \left(\int_0^{r^2} r^2 \sen\theta \, dz\right) dr\right) d\theta = \frac{1}{5} (2^5-1)\left(1-\frac{\sqrt{2}}{2}\right).\]

    Comentário

    A escolha de uma mudança de variáveis deve, em geral, guiar-se pelo princípio de ou simplificar a função integranda ou simplificar a descrição da região de integração. A estratégia para alcançar este último objectivo é, muitas vezes, verificar se nas novas coordenadas as descrições analíticas de subconjuntos da fronteira passam a ser particularmente simples, por exemplo, valores constantes de uma das novas coordenadas. Na solução apresentada é isso que acontece para as porções da fronteira constituídas por subconjuntos de pontos onde $x^2+y^2=1$, $x^2+y^2=4$ ou $z=0$. Os outros pontos na fronteira verificam $z=x^2+y^2$ cuja descrição nas novas coordenadas ($z=r^2$) também não é particularmente complicada.

    Não seguir as ideias que acabámos de descrever e escolher, por exemplo, coordenadas esféricas é uma decisão particularmente infeliz.

  3. Seja $B=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: -(x-1)\leq y \leq -2(x-1), x+1 \leq y \leq 2(x+1)\}$. Aplique a mudança de variável \[ \begin{cases}u=\frac{y}{x-1} \\ v=\frac{y}{x+1} \end{cases}\] para calcular o integral \[\iint_B \frac{y^2}{(x-1)^3 (x+1)^2}\,dx\, dy.\]

    Solução
    Região de integração B
    A região de integração $B$.

    Seja \[(u,v)=T(x,y)=\left(\frac{y}{x-1}, \frac{y}{x+1}\right).\] A aplicação $T$ é injectiva para $y\gt 0$ e a sua matriz jacobiana é \[J_T(x,y)=\begin{bmatrix}-\frac{y}{(x-1)^2} & \frac{1}{x-1} \\ -\frac{y}{(x+1)^2} & \frac{1}{x+1}\end{bmatrix} \] com módulo do determinante da matriz jacobiana \[|\det J_T(x,y)|= \left|-\frac{y}{(x-1)^2(x+1) }+\frac{y}{(x+1)^2(x-1) }\right| =\left|\frac{y(x-1)-y(x+1)}{(x-1)^2(x+1)^2}\right| = \frac{2y}{(x-1)^2(x+1)^2} \] para $y\gt 0$.

    Temos então \[\iint_B \frac{y^2}{(x-1)^3 (x+1)^2}\,dx\, dy = \int_{-2}^{-1} \left(\int_1^2 \frac{1}{2}u\, dv\right) du=-\frac{3}{4}.\]

  4. Seja $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^3$ definida por $F(x,y,z)=(yz, xz, xy+z)$.

    1. Decida se $F$ é ou não um campo conservativo em $\mathbb{R}^3$.
      Solução

      Temos $\rot F=\left(\frac{\partial}{\partial y}(xy+z)-\frac{\partial}{\partial z}(xz),\frac{\partial}{\partial z}(yz)-\frac{\partial}{\partial x} (xy+z),\frac{\partial}{\partial x}(xz)- \frac{\partial}{\partial y}(yz)\right)=(0,0,0)$ pelo que $F$ é um campo fechado em $\mathbb{R}^3$. Sendo $\mathbb{R}^3$ um aberto simplesmente conexo podemos afirmar que $F$ é conservativo.

    2. Calcule $\int_L F\cdot dr$ em que $L$ é a linha descrita parametricamente por $r(t)=(\sen t, \cos t, 1+t^2)$, $t\in [0,2\pi]$.
      Solução

      Começamos por determinar um potencial $\phi$ de $F$ verificando portanto $\nabla \phi = F$. Devemos ter \begin{align*}\phi(x,y,z) & = \int yz \, dx + h_1(y,z) = xyz + h_1(y,z) \\ \phi(x,y,z) & = \int xz \, dy + h_2(x,z) = xyz + h_2(x,z) \\ \phi(x,y,z) & = \int xy+z \, dz + h_3(x,y) = xyz +  \frac{z^2}{2} + h_3(x,y)\end{align*} para algumas funções $h_1$, $h_2$ e $h_3$. Em particular podemos considerar $\phi(x,y,z)= xyz +  \frac{z^2}{2}$. Assim \[\int_L F\cdot dr=\phi(r(2\pi)) - \phi(r(0))=\phi(0,1,1+4\pi^2) - \phi(0,1,1)=\frac{(1+4\pi^2)^2}{2}-\frac{1}{2}.\]

  5. Calcule a área da superfície $S=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: \frac{1}{2}\leq z= \sqrt{x^2+y^2}\leq 1\right\}$.

    Solução

    A superfície está descrita explicitamente por $z=h(x,y)$, com $h(x,y)=\sqrt{x^2+y^2}$, e $(x,y)\in A$, com $A=\left\{(x,y)\in\mathbb{R}^2:\frac{1}{2}\leq \sqrt{x^2+y^2}\leq 1\right\}$, sendo $h$ uma função de classe $C^1(A)$. Daí podermos calcular a área via \begin{align*}\iint_A \sqrt{1+\|\nabla h(x,y)\|^2}\, dx\, dy & = \iint_A \sqrt{1+\frac{x^2}{x^2+y^2}+\frac{y^2}{x^2+y^2}}\, dx\, dy\\ & = \int_0^{2\pi}\left(\int_{1/2}^1 \sqrt{2}r\, dr\right)d\theta=\frac{3}{4}\pi\sqrt{2}.\end{align*}

  6. Mostre que, se $G:\mathbb{R}^3\setminus\{(0,0,0)\}\to \mathbb{R}^3$ é um campo de classe $C^1(\mathbb{R}^3\setminus\{(0,0,0)\})$ tal que \begin{gather*} \lim_{(x,y,z)\to (0,0,0)} (x^2+y^2+z^2)\|G(x,y,z)\|=0,\\ \div G= 0 \text{ em $\mathbb{R}^3\setminus\{(0,0,0)\}$,}\end{gather*} então, sendo $\nu$ a normal unitária exterior a $B_1(0,0,0)$, \[\iint_{\partial B_1(0,0,0)} G\cdot \nu \, dS=0.\]
    Solução

    Usando o teorema da divergência para a função $G$ no domínio $B_1(0,0,0)\setminus B_\epsilon(0,0,0)$ com $0\lt \epsilon\lt 1$ obtemos \begin{equation}0=\iiint_{B_1(0,0,0)\setminus B_\epsilon(0,0,0)}\div G \, dx\,dy\, dz= \iint_{\partial B_1(0,0,0)}G\cdot\nu dS - \iint_{\partial B_\epsilon(0,0,0)}G\cdot \boldsymbol{n} \, dS \label{eq2_6_T2B_201819}\end{equation} em que $\boldsymbol{n}$ é a normal unitária exterior a $B_\epsilon(0,0,0)$.

    Ora, usando que $G$ é contínua no limitado e fechado $\partial B_\epsilon(0,0,0)$, temos \begin{equation}\left|\iint_{\partial B_\epsilon(0,0,0)}G\cdot \boldsymbol{n} \, dS\right|\leq \iint_{\partial B_\epsilon(0,0,0)} \|G\| \,dS \leq \max_{\partial B_\epsilon(0,0,0)}\|G\| 4\pi \epsilon^2. \label{eq3_6_T2B_201819}\end{equation} Como $\lim_{(x,y,z)\to (0,0,0)} (x^2+y^2+z^2)\|G(x,y,z)\|=0$ podemos afirmar que o lado direito de (\ref{eq3_6_T2B_201819}) tende para $0$ e daí que \[\lim_{\epsilon\to 0} \iint_{\partial B_\epsilon(0,0,0)}G\cdot \boldsymbol{n} \, dS = 0.\] Consequentemente, passando ao limite quando $\epsilon\to 0$ em (\ref{eq2_6_T2B_201819}), obtemos que \[\iint_{\partial B_1(0,0,0)} G\cdot \nu \, dS=0.\]

 


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 10/06/2021 19:28:56.