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Cálculo Diferencial e Integral II

Solução do 2º Teste, versão B, 2018/06/11

  1. Considere o subconjunto $M$ de $\mathbb{R}^3$ definido por \[\begin{cases}x^4+y^2=1 \\ y^2+z^2=4\end{cases}\]
    1. Justifique que $M$ é uma variedade diferenciável e indique a sua dimensão.
      Solução

      $M$ é um conjunto não vazio pois, por exemplo, $(0,1,\sqrt{3})\in M$. Se definirmos $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^2$ por $F(x,y,z)=(x^4+y^2-1, y^2+z^2-4)$ temos $M=\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: F(x,y,z)=\boldsymbol{0}\}$, $F\in C^1(\mathbb{R}^3)$ e \[J_F(x,y,z)=\begin{bmatrix}4x^3 & 2y & 0 \\ 0 & 2y & 2z\end{bmatrix}.\]

      Se as duas primeiras colunas da matriz jacobiana não fossem linearmente independentes, o que corresponderia a $\det \frac{\partial F}{\partial (x,y)}=0$, teríamos ou $y=0$ ou $x=0$.

      Se $y= 0$ a definição de $M$ obriga a que $|x|=1$ e $|z|=2$. Mas então $\det \frac{\partial F}{\partial (x,z)}=8 x^3 z \neq 0$ pelo que a primeira e a terceira coluna de $J_F(x,y,z)$ são linearmente independentes.

      Se $y\neq 0$ e $x = 0$ e não existissem colunas linearmente independentes de $J_F(x,y,z)$ então também $\det \frac{\partial F}{\partial (y,z)}=0$ o que só seria possível com $z=0$. Mas com $(x,z)=(0,0)$ deveríamos ter da definição de $M$, tanto $y^2=1$ como $y^2=4$ o que é impossível.

      Assim verificámos que $J_F(x,y,z)$ tem característica máxima (ou equivalentemente a derivada de $F$ é sobrejectiva em todos os pontos de $M$) e portanto $M$ é uma variedade $1$-dimensional.


      [Argumentar que $J_F$ tem característica máxima nos pontos de $M$ pode ser feito de outras formas. Por exemplo, se $x\neq 0 \neq y$ é óbvio que as linhas de $J_F$ são linearmente independentes. Analogamente se $x\neq 0 \neq z$ ou $y\neq 0 \neq z$. Se $x=y=0$ ou $x=z=0$ ou $y=z=0$ é também óbvio que as duas linhas não são linearmente independentes (em dois dos casos uma linha é nula e no outro são iguais). Mas, se duas coordenadas são nulas, ou uma das equações definindo $M$ não é verificada, ou as duas equações obrigam a terceira coordenada a tomar valores distintos, o que é impossível.]

    2. Determine o espaço normal e o espaço tangente a $M$ no ponto $(x,y,z)=(0,1,\sqrt{3})$.
      Solução

      Se designarmos as coordenadas da função $F$ definida na solução da alínea anterior por $F_1$ e $F_2$, sabemos que para cada um dos pontos de $M$ o espaço normal é gerado por $\nabla F_1$ e $\nabla F_2$ calculados nesse ponto. Em particular $\nabla F_1 = (4x^3, 2y , 0)$, $\nabla F_2 = (0, 2y , 2z)$ donde \begin{align*}N_M(0,1,\sqrt{3})&=\left\{\alpha (0,2,0)+\beta (0,2,2\sqrt{3}): \alpha, \beta\in\mathbb{R}\right\}, \\ T_M(0,1,\sqrt{3}) &= \{(\gamma, 0, 0):\gamma\in\mathbb{R}\}.\end{align*}

      A variedade $\boldsymbol{M}$ que corresponde à intersecção das superfícies $x^4+y^2=1$ e $y^2+z^2=4$ . Note a sugestão de espaço normal a $M$ no ponto $(0,1,\sqrt{3})$.
      Esboçar o gráfico não era necessário para resolver a questão.

  2. Seja $B=\left\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: y\geq 2, x\geq 0 , y^2-x^2\leq 1, x^2+y^2\leq 9\right\}$. Use as coordenadas definidas por \[ \begin{cases}u=x^2+y^2 \\ v=y^2-x^2 \end{cases}\] para calcular \[\iint_B (x^2+y^2)xy \,dx\, dy.\]
    Solução

    A aplicação $\mathbb{R}^2\ni (x,y)\mapsto T(x,y)=(x^2+y^2, y^2-x^2)=(u,v)$ é uma bijecção quando restrita ao interior do primeiro quadrante (geometricamente isto corresponde a que cada ponto do interior do primeiro quadrante é a única intersecção de um arco de circunferência $x^2+y^2=u$ com um ramo de hipérbole $y^2-x^2=v$) de classe $C^1$ com inversa de classe $C^1$.

    A matriz jacobiana desta transformação é \[\begin{bmatrix}2x & 2y \\ -2x & 2y\end{bmatrix}\] definindo um módulo de determinante (no primeiro quadrante) $\left|\det \frac{\partial(u,v)}{\partial(x,y)}\right|= 8 xy$.

     

    A região $B$.
    $T(B)$ é um triângulo no plano $uv$ limitado pelas rectas $u=9$, $v=1$ e $u+v=8$.

    Assim \begin{align*}\iint_B (x^2+y^2)xy \,dx\, dy & = \iint_{T(B)}\frac{u}{8}\, du\, dv \\ & =\int_7^9\left(\int_{8-u}^1 \frac{u}{8}\, dv\right)du \\ & =\int_7^9 \frac{u}{8} (u-7) \, du \\ & = \int_0^2 \frac{u+7}{8} u \, du = \frac{1}{3} + \frac{7}{4}.\end{align*}

  3. Calcule \[\iiint_A y\, dx\,dy\,dz\] em que $A=\left\{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: 1\leq x^2+y^2+ z^2\leq 4, 0\leq y\leq x, 0\leq z\leq \sqrt{x^2+y^2}\right\}$.
    Solução

    Usamos coordenadas esféricas definidas, para $\rho\geq 0$, $\theta\in [0,2\pi]$, $\phi\in [0,\pi]$, por \[\begin{cases}x = \rho \cos\theta \sen \phi, \\ y = \rho \sen\theta \sen \phi \\ z =\rho \cos \phi\end{cases}\] obtendo-se \begin{align*}\iiint_A y \, dx\, dy\, dz &= \int_1^2\left(\int_0^{\pi/4}\left(\int_{\pi/4}^{\pi/2}\rho^3 \sen \theta  \sen^2 \phi\, d\phi \right)d\theta\right)d\rho \\ &=\frac{15}{4}\left(1-\frac{\sqrt{2}}{2}\right)\left(\frac{\pi}{8}+\frac{1}{4}\right).\end{align*} em que se usou \[\int_{\pi/4}^{\pi/2}\sen^2 \phi\, d\phi = \int_{\pi/4}^{\pi/2} \frac{1-\cos (2\phi)}{2}\, d\phi = \frac{\pi}{8}+\frac{1}{4}.\]

    A região $A$ e, em tons mais claros, algumas das superfícies a $\rho$ constante e a $\phi$ constante que a limitam

  4. Calcule o integral de linha \[\int_L (y^2-x^2)\, dx + 2xy\, dy\] em que $L$ é uma linha de classe $C^1$ unindo um ponto da recta $x=\sqrt{3}y$ a um ponto da recta $x=-\sqrt{3}y$.
    Solução

    A questão só fará sentido se o campo no integral de linha for conservativo e portanto o integral seja independente do caminho que une os dois pontos. Um potencial $\phi:\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}$ do campo $(y^2-x^2, 2xy)$ deverá satisfazer \begin{align*}\phi(x,y)&=\int y^2-x^2 \, dx + h_1(y)\\ \phi(x,y)&=\int 2xy \, dy + h_2(x)\end{align*} para algumas funções $h_1$ e $h_2$. Efectuando as primitivações obtém-se \begin{align*}\phi(x,y)&= x y^2 - \frac{x^3}{3} + h_1(y) \\ \phi(x,y)&= xy^2 + h_2(x)\end{align*} que pode ser satisfeito com $h_1(y)=0$ e $h_2(x)=- \frac{x^3}{3}$. Tomamos então $\phi(x,y)= x y^2 - \frac{x^3}{3}$. Para este potencial tanto a recta $x=\sqrt{3}y$ como a recta $x=-\sqrt{3}y$ fazem parte da equipotencial que corresponde a $\phi=0$ e portanto o integral de linha será nulo.

    Gráfico das linhas de nível do potencial $\phi$, isto é, das equipotenciais do campo $(x,y)\mapsto (y^2-x^2, 2xy)$. As 3 rectas que se cruzam na origem $x=0$, $x=\sqrt{3}y$ e $x=-\sqrt{3}y$ correspondem à equipotencial $\phi=0$ na solução. Esboçar as equipotenciais não é necessário para a resolução do problema.
  5. Seja $h$ uma função definida em $\mathbb{R}^2$ com valores reais não negativos e de classe $C^1$.

    Considere a região $U$ definida por \[ U = \{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3:0\leq z\leq h(x,y), x^2+y^2 \leq 1 \}, \] a superfície $S$ definida por \[ S = \{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3:z= h(x,y), x^2+y^2 \leq 1 \}, \] e o campo vectorial $G:U\to\mathbb{R}^3$ definido por \[G(x,y,z)=(-xy ,x^2, yz).\]

    Aplique o teorema da divergência a $G$ em $U$ para mostrar que o fluxo $\iint_S G\cdot \nu \, dS$, com $\nu$ uma normal unitária contínua sobre $S$ num sentido por si arbitrado, não depende de $h$.

    Solução

    Pelo teorema da divergência \begin{equation}\iint_S G\cdot \nu \, dS = \iiint_U \div G \, dx\, dy\, dz - \iint_{S_l} G\cdot \nu \, dS - \iint_{S_0} G\cdot \nu \, dS \label{eq:1}\end{equation} em que \begin{align*}S_l & = \{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: x^2+y^2= 1 , 0\leq z\leq h(x,y)\}, \\ S_0 & = \{(x,y,z)\in\mathbb{R}^3: x^2+y^2\leq 1, z=0\},\end{align*} $\nu$ tem terceira coordenada positiva sobre $S$, $\nu = (x,y,0)$ sobre $S_l$ e $\nu=(0,0,-1)$ sobre $S_0$.

    O integral triplo do lado direito de ($\ref{eq:1}$) é $0$ pois $\div G=0$.

    A região $U$, superfícies $S$, $S_l$ e $S_0$, e normal $\nu$. Para efeitos do desenho considerou-se $h(x,y)=2+x^2 y^3$.

    O fluxo de $G$ através de $S_l$ no lado direito de ($\ref{eq:1}$) é $0$ pois, em $S_l$, $G\cdot \nu = (-xy ,x^2, yz) \cdot (x,y,0)=0$. Analogamente em $S_0$, pois $G\cdot \nu = (-xy ,x^2, 0) \cdot (0,0,-1)=0$.

    Portanto $\iint_S G\cdot \nu \, dS=0$.

  6. Seja $H:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^3$ definida por $H(x,y,z)=(xy,x^2, -yz)$.
    1. Determine um campo $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}^3$ tal que $\rot F=H$.
      Solução

      Como $\div H=0$ em $\mathbb{R}^3$ e $H\in C^1(\mathbb{R}^3)$ sabemos que tal é possível. Procuramos um campo da forma $F=(0,Q(x,y,z),R(x,y,z))$. Devemos ter \begin{align*}\frac{\partial R}{\partial y}-\frac{\partial Q}{\partial z} &= xy \\ -\frac{\partial R}{\partial x} &= x^2 \\ \frac{\partial Q}{\partial x}&=-yz\end{align*} Daí que \begin{align*}R(x,y,z)&=-\int x^2\, dx + h_1(y,z) = -\frac{x^3}{3} + h_1(y,z) \\ Q(x,y,z) &= -\int yz \, dx + h_2(y,z) = -xyz + h_2(y,z)\end{align*} para algumas funções $h_1$ e $h_2$. Tomando $h_2=0$ resta-nos satisfazer $\frac{\partial R}{\partial y}-\frac{\partial Q}{\partial z} = xy$ que, com as escolhas feitas se reduz a $\frac{\partial h_1}{\partial y} =0$, ou seja, obtemos um possível $H$ com $h_1(y,z)=0$.

      Em resumo temos $\rot F = H$ com $F(x,y,z)=\left(0, -xyz, -\frac{x^3}{3}\right)$.

    2. Seja $L$ uma linha fechada de classe $C^1$ no plano $x-y=0$. Calcule o integral de linha $\oint_L F\cdot dr$.
      Solução

      Pelo teorema de Stokes o integral pedido será igual ao fluxo de $H$ através da porção do plano $x-y=0$ limitada pela linha fechada num sentido adequado. Acontece que a normal a este plano terá a direcção de $\nabla(x-y)=(1,-1,0)$ que é um vector ortogonal ao campo. Portanto o valor do integral pretendido é $0$.

 


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 06/06/2020 08:39:21.