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Cálculo Diferencial e Integral II

Solução do 1º Teste, versão A, 2018/04/21

A solução abaixo inclui alguns enunciados e soluções adicionais marcados com um fundo azul claro que chegaram a ser considerados para inclusão nesta prova mas que acabaram preteridos.

    1. Seja $V=\{(x,y,z)\in [0,1]^3\subset \mathbb{R}^3: 1-x-y \leq z \leq 1-\sqrt{x^2+y^2}\}$ e $f:V\to\mathbb{R}$ uma função integrável.
      1. Exprima o integral \[ \iiint_V f(x,y,z) \,dx\, dy\,dz \] na forma de um integral iterado \[\int_\ast^\ast\left(\int_\ast^\ast\left(\int_\ast^\ast f(x,y,z) \, dy\right)dx\right)dz.\]
      2. Calcule o integral com $f(x,y,z)=y$.
      Solução
      1. Para cada $z\in [0,1]$ os pontos $(x,y)$ correspondentes formam um corte \[C_z=\left\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x-y \leq z \leq 1-\sqrt{x^2+y^2} \right\}\] pelo que \begin{align*}\iiint_V f & = \int_0^1\left(\iint_{C_z}f(x,y,z)\, dx\,dy\right)dz \\ &=\int_0^1\left(\int_0^{1-z}\left(\int_{1-x-z}^{\sqrt{(1-z)^2-x^2}}f(x,y,z)\, dy\right) dx\right)dz\end{align*}
        Animação ilustrando cortes a $z$ constante na determinação dos limites de integração.
        Cortes da região $V$ para um valor de $z$ fixado.
      2. Tomando $f(x,y,z)=y$ \begin{multline*}\int_0^1\left(\int_0^{1-z}\left(\int_{1-x-z}^{\sqrt{(1-z)^2-x^2}}y\, dy\right) dx\right)dz \\ =\int_0^1\left(\int_0^{1-z} \frac{1}{2}\left((1-z)^2- x^2 - (1-z-x)^2\right) dx\right)dz  \\ =\int_0^1\left(\int_0^{1-z}\left(- x^2 + (1-z)x\right) dx\right)dz \\ = \int_0^1\left( -\frac{(1-z)^3}{3} +  \frac{(1-z)^3}{2} \right) dz \\ = \int_0^1 \frac{(1-z)^3}{6} dz  = \frac{1}{24}.\end{multline*}
    2. Troque a ordem de integração de \[\int_0^1\left(\int_{\sqrt{x}}^1 y^5\sen(xy^2)\, dy\right)\, dx \] e use a expressão assim obtida para calcular o valor do integral.
      Solução

      \[\int_0^1\left(\int_{\sqrt{x}}^1 y^5\sen(xy^2)\, dy\right)\, dx = \iint_A y^5\sen(xy^2)\, dx\, dy\] em que $A=\{(x,y)\in\mathbb{R^2}:x\in [0,1], \sqrt{x}\leq y\leq 1\}$.

      A região $A$.

      Trocando a ordem de integração obtemos \begin{align*} \iint_A y^5\sen(xy^2)\, dx\, dy & = \int_0^1\left(\int_0^{y^2}y^5\sen(xy^2)  \, dx\right)dy \\ & = \int_0^1 y^3\left.[-\cos(xy^2)]\right|_{x=0}^{x=y^2}dy \\ & = \int_0^1 -y^3\cos(y^4) + y^3 \, dy= \frac{1}{4}(1-\sen 1)  \end{align*}

  1. Considere uma função definida num subconjunto $D$ de $\mathbb{R}^2$ por \[f(x,y)=\frac{\sqrt{1-x+y}}{x+y}\]
    1. Determine o domínio $D$ de $f$.
      Solução
      \[D=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\geq 0, x+y\neq 0\}.\]

       

    2. Determine $\operatorname{int} D$, $\partial D$ e $\overline{D}$ e decida se $D$ é aberto, fechado, conexo ou limitado.
      Solução

      \begin{align*}\operatorname{int} D & =\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\gt 0, x+y\neq 0\}\\ \partial D & = \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y= 0 \text{ ou } ( x+y= 0 \text{ e } x\leq 1/2)\} \\ \overline{D} & = \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\geq 0 \} \end{align*}

      $D$ não é aberto ($\operatorname{int} D \neq D$), nem fechado ($\overline{D} \neq D$), nem conexo ($D=A\cup B$ com $A= \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\geq 0, x+y\gt 0\}$, $B=\{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\geq 0, x+y\lt 0\}$ com $A\neq\emptyset\neq B$, $\overline{A}\cap B = \emptyset$ pois $\overline{A} = \{(x,y)\in\mathbb{R}^2: 1-x+y\geq 0, x+y\geq 0\}$ e $\overline{B}\cap A = \emptyset$ de forma análoga), nem limitado (por exemplo os pontos $(x,2x)$ com $x\gt 0$ estão em $D$ e formam um conjunto ilimitado).

    3. Decida se $f$ é ou não prolongável por continuidade a $(0,0)$.
      Solução

      Não é pois, por exemplo, \[\lim_{x\to 0^+}f(x,2x)=\lim_{x\to 0^+}\frac{\sqrt{1+x}}{3x}=+\infty.\]

  2. Considere a função $h:\mathbb{R}^2\to\mathbb{R}$ definida por \[h(x,y)=\begin{cases}\dfrac{x\sen y}{\sqrt{x^2+\sen^2 y}}, & \text{se $x\neq 0$ ou $\sen y\neq 0$,}\\ 0, & \text{caso contrário.} \end{cases}\]
    1. Mostre que $h$ é contínua em $(0,0)$.
      Solução

      Continuidade em $(0,0)$ corresponde, usando a definição de continuidade, a que, qualquer que seja $\epsilon\gt 0$, exista $\delta\gt 0$ tal que $\sqrt{x^2+y^2}\lt \delta$ implica $|h(x,y)|\lt \epsilon$.

      Como \[|h(x,y)|=\frac{|x||\sen y|}{\sqrt{x^2+\sen^2 y}}\leq |x|\leq \sqrt{x^2+y^2}\] verificamos que a definição é satisfeita escolhendo $\delta=\epsilon$.

    2. Decida se $h$ é ou não diferenciável em $(0,0)$.
      Solução

      Diferenciabilidade em $(0,0)$ corresponde, usando a definição de diferenciabilidade, a que \[\lim_{(x,y)\to(0,0)} \frac{f(x,y)-f(0,0)-x\frac{\partial f}{\partial x}(0,0)-y\frac{\partial f}{\partial y}(0,0)}{\sqrt{x^2+y^2}}=0.\] Usando que $f(0,0)=0$ e que a função, sendo identicamente nula sobre os eixos coordenados, necessariamente tem derivadas parciais nulas na origem, tem-se que o limite a considerar se reduz a \[\lim_{(x,y)\to(0,0)} \frac{|x||\sen y|}{\sqrt{x^2+\sen^2 y}\sqrt{x^2+y^2}}.\] Considerando a restrição à recta $y=x$ da função neste limite obtemos \[\frac{|x||\sen x|}{\sqrt{x^2+\sen^2 x}\sqrt{x^2+x^2}}= \frac{1}{\sqrt{2}}\frac{|\sen x|}{\sqrt{x^2+\sen^2 x}}= \frac{1}{\sqrt{2}}\frac{1}{\sqrt{\frac{x^2}{\sen^2 x}+1}}\] que se reconhece ter limite $1/2$ quando $x\to 0$ pois $\lim_{x\to 0}\frac{\sen x}{x}=1$. Assim $h$ não é diferenciável em $(0,0)$.

  3. Considere funções $F:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}$ com $F\in C^2(\mathbb{R}^3)$ e $G:\mathbb{R}^3\to\mathbb{R}$ definida por \[G(x,y,z)=F(xy,x^2+y^2, y^2-z^2).\]
    1. Calcule a derivada dirigida $D_{(1,-1,1)}G(0,0,1)$.
      Solução

      Seja $(u,v,w)=(xy,x^2+y^2, y^2-z^2)$. A função que associa $(u,v,w)$ a $(x,y,z)$ é diferenciável pois tem funções coordenadas polinomiais. Logo o teorema de derivação da função composta assegura a diferenciabilidade de $G$ donde $D_{(1,-1,1)}G(0,0,1)= \frac{\partial G}{\partial x}(0,0,1)- \frac{\partial G}{\partial y}(0,0,1)+\frac{\partial G}{\partial z}(0,0,1)$ e \begin{align*}\frac{\partial G}{\partial x} & =\frac{\partial F}{\partial u}\frac{\partial u}{\partial x} + \frac{\partial F}{\partial v}\frac{\partial v}{\partial x} + \frac{\partial F}{\partial w}\frac{\partial w}{\partial x}= y \frac{\partial F}{\partial u} +2x \frac{\partial F}{\partial v}\\ \frac{\partial G}{\partial y} & =\frac{\partial F}{\partial u}\frac{\partial u}{\partial y} + \frac{\partial F}{\partial v}\frac{\partial v}{\partial y} + \frac{\partial F}{\partial w}\frac{\partial w}{\partial y} = x \frac{\partial F}{\partial u} +2y \frac{\partial F}{\partial v} +2y\frac{\partial F}{\partial w} \\ \frac{\partial G}{\partial z} & =\frac{\partial F}{\partial u}\frac{\partial u}{\partial z} + \frac{\partial F}{\partial v}\frac{\partial v}{\partial z} + \frac{\partial F}{\partial w}\frac{\partial w}{\partial z} = -2z \frac{\partial F}{\partial w} \end{align*} Daí que $D_{(1,-1,1)}G(0,0,1) = -2 \frac{\partial F}{\partial w} (0,0,-1)$.

    2. Exprima $\frac{\partial^2 G}{\partial z^2}(0,0,1)$ em termos de derivadas parciais de $F$ adequadas.
      Solução

      Usando a expressão de $\frac{\partial G}{\partial z}$ obtida na alínea anterior obtemos \begin{multline*}\frac{\partial^2 G}{\partial z^2}= \frac{\partial}{\partial z} \left(-2z \frac{\partial F}{\partial w}\right) \\ = -2 \frac{\partial F}{\partial w} -2z \frac{\partial^2 F}{\partial u \partial w}\frac{\partial u}{\partial z} -2z \frac{\partial^2 F}{\partial v \partial w}\frac{\partial v}{\partial z} -2z \frac{\partial^2 F}{\partial w^2}\frac{\partial w}{\partial z} \\ = -2 \frac{\partial F}{\partial w} +4z^2 \frac{\partial^2 F}{\partial w^2} \end{multline*} donde $\frac{\partial^2 G}{\partial z^2}(0,0,1) = -2 \frac{\partial F}{\partial w}(0,0,-1) + 4 \frac{\partial^2 F}{\partial w^2} (0,0,-1)$.

  1. Seja $\psi:\mathbb{R}\to\mathbb{R}$ definida por $\psi(x)=\int_0^1 e^{t^2}\sen(tx)\, dt$. Mostre que $\psi$ satisfaz $2\psi'(x)-x\psi(x)= e\cos x -1 $.
    Solução

    Usando a regra de Leibniz, $\psi$ é diferenciável com derivada $\psi'(x)=\int_0^1 e^{t^2}t\cos(tx)\, dt$. Integrando por partes este último integral obtemos $\psi'(x)= \left.\left[\frac{1}{2}e^{t^2}\cos(tx)\right]\right|_{t=0}^{t=1} + x \int_0^1 \frac{1}{2}e^{t^2} \sen(tx)\, dt=\frac{1}{2}(e\cos x -1+x\psi(x))$.

  1. Seja $g:\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}$ definida por $g(x,y)=2e^{x^2+y^2}-x^2-y^4$.

    1. Mostre que $g$ possui um único ponto de estacionaridade em $(0,0)$.
      Solução

      Os pontos de estacionaridade de $g$ verificam $\nabla g=\boldsymbol{0}$, ou seja, \[\begin{cases} 4x e^{x^2+y^2} -2x = 0 \\ 4y e^{x^2+y^2} -4 y^3=0\end{cases}\] O sistema é satisfeito para $(x,y)=(0,0)$. Outros pontos de estacionaridade deveriam satisfazer pelo menos uma das equações \begin{gather*}  2e^{x^2+y^2} -1 = 0 \\ e^{x^2+y^2} - y^2=0\end{gather*}Como $e^\lambda= \sum_{k=0}^{+\infty}\frac{\lambda^k}{k!}$ temos $e^{x^2+y^2}\gt 1 +x^2+y^2$. Daí segue que nenhuma das duas equações anteriores tem raízes reais.

    2. Decida se $(0,0)$ é um ponto de máximo local, um ponto de mínimo local, ou um ponto de sela de $g$.
      Solução

      Temos \begin{align*}\frac{\partial^2 g}{\partial x^2} & = 8x^2 e^{x^2+y^2} + 4 e^{x^2+y^2} -2 \\ \frac{\partial^2 g}{\partial x\partial y} & = 8xy e^{x^2+y^2} \\ \frac{\partial^2 g}{\partial y^2} & = 8y^2 e^{x^2+y^2} + 4 e^{x^2+y^2} -12 y^2\end{align*}.

      Portanto a matriz hessiana de $g$ em $(0,0)$ é \[H_g(0,0)=\begin{bmatrix} 2 & 0 \\ 0 & 4\end{bmatrix}\] que define uma forma quadrática definida positiva. Portanto $(0,0)$ é um ponto de mínimo local de $g$.

  2. Seja $F:\mathbb{R}^2\to \mathbb{R}$ uma função contínua e seja $G$ a função definida por \[G(x,y)=F(e^{x-y}+x^2, e^{x+y}+y^2).\]

    Mostre que $F$ tem um mínimo local em $(1,1)$ se e só se $G$ tem um mínimo local em $(0,0)$.

    Solução

    Designemos por $\psi:\mathbb{R}^2\to\mathbb{R}^2$ a aplicação definida por $\psi(x,y)=(e^{x-y}+x^2, e^{x+y}+y^2)$. Assim $G=F\circ \psi$. Note-se que $\psi$ é uma função contínua e $\psi(0,0)=(1,1)$.

    Suponhamos que $F$ tem um mínimo local em $(1,1)$. Então existe $r\gt 0$ tal que se $(u,v)\in B_r(1,1)$ então $F(u,v)\geq F(1,1)$. Por continuidade de $\psi$ em $(0,0)$ existe $s\gt 0$ tal que se $(x,y)\in B_s(0,0)$ então $(u,v)=\psi (x,y)\in B_r(1,1)$. Mas então, para todo o $(x,y)\in B_s(0,0)$ temos $G(x,y)=F(\psi (x,y))\geq F(1,1)= G(0,0)$. Isto quer dizer que $G$ tem um mínimo local em $(0,0)$.

    [Se soubéssemos que $\psi$ tem uma inversa contínua poderíamos escrever $G\circ \psi^{-1}=F$, trocar os papéis de $G$ e $F$ no argumento do parágrafo anterior e obter o recíproco concluindo a demonstração. No entanto não sabemos se $\psi$ é invertível, mas, usando o teorema da função inversa, podemos tentar estabelecer a existência de uma inversa local contínua de $\psi$ que permita concluir o argumento.]

    $\psi\in C^1(\mathbb{R}^2)$, $\psi(0,0)=(1,1)$ e tem matriz jacobiana \[J_\psi(x,y)=\begin{bmatrix}e^{x-y}+2x & -e^{x-y}  \\  e^{x+y} & e^{x+y}+2y & \end{bmatrix}\] donde \[J_\psi(0,0)=\begin{bmatrix}1 & -1  \\ 1 & 1 & \end{bmatrix}\] que é não singular pelo que o teorema da função inversa garante a existência de um aberto $U$ contendo $(0,0)$ onde $\psi$ é injectiva, $\psi(U)$ é um aberto contendo $(1,1)$ e a inversa de $\psi|_{U}$ é uma função de classe $C^1$ (e, em particular, contínua, que é o que nos interessa para concluirmos).

    Portanto, se $G$ tiver um mínimo local em $(0,0)$, existe $t\gt 0$ tal que $B_t(0,0)\subset U$ e se $(x,y)\in B_t(0,0)$ então $G(x,y)\geq G(0,0)$. Por continuidade de $(\psi |_U)^{-1}$ existe $p\gt 0$ tal que $B_p(1,1)\subset \psi(U)$ e se $(u,v)\in B_p(1,1)$ então $(u,v)=\psi(x,y)$ com $(x,y)\in B_t(0,0)$. Mas então, para todo o $(u,v)\in B_p(1,1)$ temos $F(u,v)=G((\psi|_U)^{-1}(x,y))\geq G(0,0)=F(1,1)$. Isto quer dizer que $F$ tem um mínimo local em $(1,1)$.


Última edição desta versão: João Palhoto Matos, 08/06/2020 14:15:55.